terça-feira, 3 de novembro de 2015

MANO MANÉ, "ME DESCULPE ENTAO"!




[Conhece antecedentes do Estatuto do Líder da Oposição?]
Mano Mané, o edil de Quelimane, foi citado por um semanário como tendo declarado que discutir o Estatuto do Líder da Oposição “é como um médico ou enfermeiro que, vendo borbulhas na cara do paciente, manda-o ao dermatologista para que pegue pomadas e tome conta das borbulhas, esquecendo-se das causas que as provocaram”. Quais as causas? Está feita a pergunta.
“(…) Manuel de Araújo disse que no lugar de aprovar, às pressas, estatutos de líder da oposição, simplesmente para resolver um conflito pós-eleitoral, é preciso enfrentar com frieza o que chama de paradoxos da democracia moçambicana, tais como o ‘the winner takes all’, ou seja, o vencedor leva tudo, o sistema de governo, bem como a própria natureza da democracia que resultou de um processo violento de luta armada, entre outros”. Será verdade que o conflito é pós-eleitoral? Por quê?
Em discurso directo, diz, de acordo com o mesmo semanário: “É uma lei que foi feita por cima do joelho, com muitas imperfeições, é como um paracetamol que foi administrado ao doente, não para curar a doença, mas para minorar a dor do paciente”. Quais os elementos fiáveis que suportam as declarações de Manuel de Araújo? Não será retórica com recurso a argumentos não verdadeiros? Há que testar!
Mano Mané, “me desculpe então”, mas não sei onde se encontrava em 1994, antes das primeiras eleições multipartidárias. Se estava em Moçambique, parece que a sua intervenção sobre a história do Estatuto do Líder da Oposição é que foi feita em cima de joelho. Sublinho: as declarações do edil de Quelimane é que foram feitas em cima de joelho, transformando reivindicações anteriores às eleições, já desde 1994, em conflito pós-eleitoral.
É que o Estatuto do Líder da Oposição tem uma história anterior ao ora aprovado e penso que não deveria ignorar esse facto, por ser, de facto, um facto. Mas, o que se sabe do novo discurso da Renamo, a guerra de 16 anos era pela democracia, que a tendência socialista ou comunista da Frelimo não garantia, sem ser necessariamente pela partilha do poder, porque a ser assim, partilha do poder, é suposto que o Acordo de Nkomati, assinado em 1984, poderia resultar nessa partilha entre a Frelimo e a Renamo, se calhar sem eleições nenhumas. Disse isso, certa vez, Teodato Hunguana.
A haver imperfeição, não tem nada a ver com os argumentos de Manuel de Araújo. Por isso, é má retórica de Mano Mané, porque apela a argumentos que não verdadeiros argumentos, não pelos seus objectivos, voltando a citar o professor de Filosofia, Paulo Jorge Domingos de Sousa, em “A Filosofia faz-se pensando”.
Insisto: o problema do debate frequente em Moçambique, e as entrevistas curiosamente a um determinado grupo de cidadãos, de forma periódica, peca por veicular muitas imperfeições, como sucede com o argumento do edil de Quelimane, beneficiando da existência de muitos incautos, consumidores do fast food disponível nos takeamweys. De Araújo falou e isso foi tomado como uma verdade! Poucos avaliam os seus argumentos.
Afinal quais são os elementos que são apresentados por Mano Mané, como seus argumentos ou premissas para chegar àquela conclusão? Simplesmente os resultados das eleições de 2014. Esta conclusão assemelha-se a retórica que no período de 2013 a 2014 estimulou a morte de pessoas no troço Save-Muxúnguè – partia-se de argumentos que não eram verdadeiros argumentos sobre as causas da violência na Estrada Nacional nº 6.
Ora, o problema de Afonso Dhlakama e, se quisermos, da Renamo, remonta ao período anterior às eleições de 27, 28 e 29 de Outubro de 1994. Afonso Dhlakama fez várias reivindicações, duas das quais referentes à “formação de um Governo de Unidade Nacional e a existência de cargo de vice-Presidente de Moçambique”.
O vice-Presidente, que Dhlakama afirmava ser uma questão de emenda constitucional, seria o segundo candidato mais votado. Creio que, pelas contas, ele adivinhava que seria o segundo mais votado, sobretudo pelos argumentos apresentados, citados adiante.
Raúl Domingos sabe disso e creio que Eduardo Namburete, que o conheço e respeito à semelhança do Mano Mané, nisso de respeito [estive em Quelimane com Manuel de Araújo, volto a dizer isso, antes de ser edil, mas por pouco tempo e não deu para muita conversa, eu não companhia de jornalistas que ele conhecia], numa situação normal também estaria informado sobre tais eventos. Mas, como dizia, o nosso debate tem muitas imperfeições e se baseia em opiniões não devidamente fundamentadas ou documentadas: fast food à venda nos takeaweys!
O que sucedeu antes das eleições de 27, 28 e 29 de Outubro de 1994? Afonso Dhlakama é citado pelo semanário Domingo, na sua edição de 27 de Março de 1994, a apresentar pretensão do GUN: “Eu já abordei esta questão do Governo com o Presidente Joaquim Chissano, isto é, eu pedi uma audiência porque esta foi sempre a minha posição, mas não aprofundamos muito, mas fiquei com a impressão de que parece que ele concorda comigo”.
Chissano, numa das tantas reacções, excluindo a dos seus correligionários, citado pelo Diário de Moçambique de 30 de Abril, responde: “ (…) vamos primeiro às eleições e depois quem vencer saberá como agir. Não vamos influenciar agora a vontade; temos que conhecer a sua vontade real. Não vamos para essa farsa, essa maneira de enganar o povo. Nós não somos animais para nos fazerem dessas experiências”.
Afonso Dhlakama, através da edição de 28 de Agosto de 1994 do semanário Domingo, lança ultimato, afirmando que até 25 de Setembro de 1994, Chissano deveria aceitar o Governo de Unidade Nacional, ameaçando: “O meu problema não é ser vice-presidente, mas sim o que vai acontecer 24 horas depois das eleições. A minha posição não é de fraqueza, mas sim de força.
(…) vai haver compromisso sobre futuro político de Moçambique até 25 de Setembro. Diz-se que na Constituição não está previsto o cargo de vice-presidente, mas se for necessário, a Assembleia da República pode reunir-se rapidamente e colocar esse postulado”.
Compreende, Mano Mané, Dhlakama queria uma reunião rápida da Assembleia da República para colocar o postulado de vice-Presidente na Constituição da República antes das eleições de 1994. É isso que Manuel de Araújo chama de conflito pós-eleitoral? O certo é que Joaquim Chissano recusa e diz: “Isso é com ele! Ele é que sabe como vai fazer”.
Resumindo: Chissano rejeitou a imposição do GUN e do cargo de vice-Presidente. Está documentado e creio que figuras como Manuel de Araújo, Raúl Domingos e Eduardo Namburete, duas das quais com referências académicas muito acima da média entre moçambicanos [Mano Mané e Namburete], não deveriam, nem por lapso, ignorar tais factos – salvo se a intenção for de enganar os incautos, recorrendo a argumentos que não são verdadeiros argumentos!
Mas o cerne da questão é o Estatuto do Líder da Oposição. Sucede que o Domingo, na edição de 9 de Outubro, antes das eleições de 27, 28 e 29 do mesmo mês, noticia que “Chissano garante estatuto especial a Dhlakama”: eis a génese do Estatuto do Líder da Oposição, Mano Mané!
“É uma personalidade que deve ser respeitada na medida em que vai provar ter gente que o ouve. Aliás, é o que se passa com Jesse Jackson, que tem tratamento especial nos Estados Unidos (…) Terá que ser uma figura de respeito que até pode receber missões do Estado”. Foi assim que Chissano pensou e disse publicamente, através da imprensa, acrescentando:
“(…) o próprio Dhlakama propôs que lhe déssemos o tratamento que tem um Presidente da Assembleia da República. Só que ele quer que isso seja por um acordo, e eu recuso-me a fazer acordos nesse sentido. Um acordo prevê reciprocidade, mas eu não exijo nada dele, se ele ganhar as eleições, que faça um Governo do jeito que bem entender”. Acha, Mano Mané, que esta declaração é pós-eleitoral?
Mais tarde Dhlakama, depois das eleições, rejeitou integrar o que hoje configura o Conselho de Estado, também sob proposta de Joaquim Chissano. A exigência é que esse grupo que Chissano pretendia, fosse criado por lei. Coube à Assembleia da República, já no mandato de Armando Guebuza, aprovar a criação do Conselho de Estado mais ou menos em conformidade com as exigências de Dhlakama. Mas ele nunca tomou o seu lugar até hoje no referido órgão.
O que dizer, então, Mano Mané? O Estatuto do Líder da Oposição, aprovado pela Assembleia da República em 2014 como Estatuto Especial do Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar, em termos de génese, não visava resolver conflitos pós-eleitorais. Quem conduziu o processo até aí, foi o próprio Afonso Dhlakama. Por outras palavras: antes mesmo das eleições de 1994, as primeiras multipartidárias, Chissano procurou acomodar o presidente da Renamo, mas este se mostrou irredutível, com ameaças e tudo o que está registado e acessível a quem quiser consultar.
Outro exemplo: Dhlakama, depois das eleições de 1994, disse que Chissano estava a insistir em lhe dar estatuto especial [repare na coincidência “Estatuto Especial”] ou estatuto condigno. O Diário de Moçambique de 30 de Maio de 1995, sete meses depois das eleições, noticia que Dhlakama diz que, devido à insistência do Presidente da República, em lhe conceder estatuto condigno, vai designar uma instituição humanitária para tomar conta do valor oferecido para apoiar as crianças desfavorecidas.
“Como o Presidente insiste que não se pode acumular dinheiro nas Finanças vou brevemente designar uma instituição para levantá-lo e para fins humanitários”. O matutino atribui estas palavras ao presidente da Renamo. Atenção à declaração “o Presidente insiste”! Está claro que a “oferta” de Chissano não visava resolver nenhum conflito pós-eleitoral, mas sim a valorização de uma figura importante na história de Moçambique pós-independência e no processo de democracia.
É isso que creio que Manuel de Araújo numa situação normal saberia. Não creio que intencionalmente manipulasse a opinião pública, tornando conflitos não pós-eleitorais em pós-eleitorais. Dou-lhe benefício da dúvida, na ideia, que não é minha, de que ao lhe conceder o benefício da dúvida, acredito na imagem positiva e benéfica dele, como se ele estivesse sendo realmente sincero e honesto ao apresentar o argumento de conflito pós-eleitoral.
Mano Mané, observo, seria de grande utilidade que procurasse ver o que tem estado a acontecer desde 1992, antes de chegar a conclusões sobre temas delicados devido às suas consequências. Se não fizer isso, estará a contribuir para a incompreensão da realidade moçambicana decorrente da assinatura do Acordo Geral de Paz, hipotecando uma parte importantíssima da história.
Se Afonso Dhlakama fosse comedido nas suas exigências, teria obtido Estatuto Especial. É que o Estatuto Especial proposto por Joaquim Chissano foi o embrião do Estatuto Especial do Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar, uma figura que tem gente que a ouve, obviamente para o segundo candidato mais votado.
Quer dizer, Dhlakama há pelo menos 20 anos teria vivido a experiência, passe o exemplo, de Jesse Jackson – pensando na proposta de Chissano anterior às eleições de Outubro de 1994. E acredito que esse Estatuto Especial teria sofrido emendas como acontece com a Constituição da República, para se encontrar uma melhor formulação possível.
O Estatuto, na sua génese, não poderia ser como paracetamol nem pomada, mas sim a valorização e dignificação de Afonso Dhlakama no contexto político nacional. Que hábito é esse de fazer especulações sobre assuntos documentados, quando há fontes escritas? É falta de tempo para pesquisa? Talvez.
Nós, escribas, infelizmente, não conhecemos o caminho que leva ao nosso arquivo ou arquivos de outros órgãos de comunicação social. Há elites intelectuais que fazem o mesmo, mas se apresentam como detentoras da verdade sobre conflitos resultantes das reivindicações da Renamo e Afonso Dhlakama.
Isso é perigoso quando feito por figuras que foram ou são dos meios académicos, a quem os seus estudantes e a sociedade confiam e julgam que fazem intervenção baseadas em argumentos verdadeiros, estudos ou pesquisas fiáveis, quando, sem se saber bem os porquês, não passam de argumentos não verdadeiros e, por isso, maus.
Só para situar o leitor: Manuel de Araújo falava como um dos oradores da mesa redonda organizada pelo Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento (CEDE), subordinada ao tema Estatuto do Líder da Oposição. É suposto que as declarações do Mano Mané serão usadas pelo CEDE nas suas publicações, mas carregam consigo argumentos não verdadeiros [argumentos] porque falam de conflito pós-eleitoral quando a história não diz isso. E depois vamos criticar os nossos filhos e irmãos, ora estudantes, pelas suas imperfeições na interpretação dos fenómenos!

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