[Conhece antecedentes do Estatuto do Líder da
Oposição?]
Mano Mané, o edil de Quelimane,
foi citado por um semanário como tendo declarado que discutir o Estatuto do
Líder da Oposição “é como um médico ou enfermeiro que, vendo borbulhas na cara
do paciente, manda-o ao dermatologista para que pegue pomadas e tome conta das
borbulhas, esquecendo-se das causas que as provocaram”. Quais as causas? Está
feita a pergunta.
“(…) Manuel de Araújo disse que
no lugar de aprovar, às pressas, estatutos de líder da oposição, simplesmente
para resolver um conflito pós-eleitoral, é preciso enfrentar com frieza o que
chama de paradoxos da democracia moçambicana, tais como o ‘the winner takes
all’, ou seja, o vencedor leva tudo, o sistema de governo, bem como a própria
natureza da democracia que resultou de um processo violento de luta armada,
entre outros”. Será verdade que o conflito é pós-eleitoral? Por quê?
Em discurso directo, diz, de
acordo com o mesmo semanário: “É uma lei que foi feita por cima do joelho, com
muitas imperfeições, é como um paracetamol que foi administrado ao doente, não
para curar a doença, mas para minorar a dor do paciente”. Quais os elementos
fiáveis que suportam as declarações de Manuel de Araújo? Não será retórica com
recurso a argumentos não verdadeiros? Há que testar!
Mano Mané, “me desculpe então”,
mas não sei onde se encontrava em 1994, antes das primeiras eleições
multipartidárias. Se estava em Moçambique, parece que a sua intervenção sobre a
história do Estatuto do Líder da Oposição é que foi feita em cima de joelho. Sublinho:
as declarações do edil de Quelimane é que foram feitas em cima de joelho,
transformando reivindicações anteriores às eleições, já desde 1994, em conflito
pós-eleitoral.
É que o Estatuto do Líder da
Oposição tem uma história anterior ao ora aprovado e penso que não deveria
ignorar esse facto, por ser, de facto, um facto. Mas, o que se sabe do novo
discurso da Renamo, a guerra de 16 anos era pela democracia, que a tendência
socialista ou comunista da Frelimo não garantia, sem ser necessariamente pela
partilha do poder, porque a ser assim, partilha do poder, é suposto que o
Acordo de Nkomati, assinado em 1984, poderia resultar nessa partilha entre a
Frelimo e a Renamo, se calhar sem eleições nenhumas. Disse isso, certa vez,
Teodato Hunguana.
A haver imperfeição, não tem nada
a ver com os argumentos de Manuel de Araújo. Por isso, é má retórica de Mano
Mané, porque apela a argumentos que não verdadeiros argumentos, não pelos seus
objectivos, voltando a citar o professor de Filosofia, Paulo Jorge Domingos de
Sousa, em “A Filosofia faz-se pensando”.
Insisto: o problema do debate
frequente em Moçambique, e as entrevistas curiosamente a um determinado grupo
de cidadãos, de forma periódica, peca por veicular muitas imperfeições, como
sucede com o argumento do edil de Quelimane, beneficiando da existência de
muitos incautos, consumidores do fast
food disponível nos takeamweys.
De Araújo falou e isso foi tomado como uma verdade! Poucos avaliam os seus
argumentos.
Afinal quais são os elementos que
são apresentados por Mano Mané, como seus argumentos ou premissas para chegar
àquela conclusão? Simplesmente os resultados das eleições de 2014. Esta
conclusão assemelha-se a retórica que no período de 2013 a 2014 estimulou a
morte de pessoas no troço Save-Muxúnguè – partia-se de argumentos que não eram
verdadeiros argumentos sobre as causas da violência na Estrada Nacional nº 6.
Ora, o problema de Afonso
Dhlakama e, se quisermos, da Renamo, remonta ao período anterior às eleições de
27, 28 e 29 de Outubro de 1994. Afonso Dhlakama fez várias reivindicações, duas
das quais referentes à “formação de um Governo de Unidade Nacional e a
existência de cargo de vice-Presidente de Moçambique”.
O vice-Presidente, que Dhlakama
afirmava ser uma questão de emenda constitucional, seria o segundo candidato
mais votado. Creio que, pelas contas, ele adivinhava que seria o segundo mais
votado, sobretudo pelos argumentos apresentados, citados adiante.
Raúl Domingos sabe disso e creio
que Eduardo Namburete, que o conheço e respeito à semelhança do Mano Mané,
nisso de respeito [estive em Quelimane com Manuel de Araújo, volto a dizer isso,
antes de ser edil, mas por pouco tempo e não deu para muita conversa, eu não
companhia de jornalistas que ele conhecia], numa situação normal também estaria
informado sobre tais eventos. Mas, como dizia, o nosso debate tem muitas
imperfeições e se baseia em opiniões não devidamente fundamentadas ou
documentadas: fast food à venda nos takeaweys!
O que sucedeu antes das eleições
de 27, 28 e 29 de Outubro de 1994? Afonso Dhlakama é citado pelo semanário Domingo, na sua edição de 27 de Março de
1994, a apresentar pretensão do GUN: “Eu já abordei esta questão do Governo com
o Presidente Joaquim Chissano, isto é, eu pedi uma audiência porque esta foi
sempre a minha posição, mas não aprofundamos muito, mas fiquei com a impressão
de que parece que ele concorda comigo”.
Chissano, numa das tantas
reacções, excluindo a dos seus correligionários, citado pelo Diário de Moçambique de 30 de Abril,
responde: “ (…) vamos primeiro às eleições e depois quem vencer saberá como
agir. Não vamos influenciar agora a vontade; temos que conhecer a sua vontade
real. Não vamos para essa farsa, essa maneira de enganar o povo. Nós não somos
animais para nos fazerem dessas experiências”.
Afonso Dhlakama, através da
edição de 28 de Agosto de 1994 do semanário Domingo,
lança ultimato, afirmando que até 25 de Setembro de 1994, Chissano deveria
aceitar o Governo de Unidade Nacional, ameaçando: “O meu problema não é ser
vice-presidente, mas sim o que vai acontecer 24 horas depois das eleições. A
minha posição não é de fraqueza, mas sim de força.
(…) vai haver compromisso sobre
futuro político de Moçambique até 25 de Setembro. Diz-se que na Constituição
não está previsto o cargo de vice-presidente, mas se for necessário, a
Assembleia da República pode reunir-se rapidamente e colocar esse postulado”.
Compreende, Mano Mané, Dhlakama
queria uma reunião rápida da Assembleia da República para colocar o postulado
de vice-Presidente na Constituição da República antes das eleições de 1994. É
isso que Manuel de Araújo chama de conflito pós-eleitoral? O certo é que
Joaquim Chissano recusa e diz: “Isso é com ele! Ele é que sabe como vai fazer”.
Resumindo: Chissano rejeitou a
imposição do GUN e do cargo de vice-Presidente. Está documentado e creio que
figuras como Manuel de Araújo, Raúl Domingos e Eduardo Namburete, duas das
quais com referências académicas muito acima da média entre moçambicanos [Mano
Mané e Namburete], não deveriam, nem por lapso, ignorar tais factos – salvo se
a intenção for de enganar os incautos, recorrendo a argumentos que não são
verdadeiros argumentos!
Mas o cerne da questão é o
Estatuto do Líder da Oposição. Sucede que o Domingo,
na edição de 9 de Outubro, antes das eleições de 27, 28 e 29 do mesmo mês,
noticia que “Chissano garante estatuto especial a Dhlakama”: eis a génese do
Estatuto do Líder da Oposição, Mano Mané!
“É uma personalidade que deve ser
respeitada na medida em que vai provar ter gente que o ouve. Aliás, é o que se
passa com Jesse Jackson, que tem tratamento especial nos Estados Unidos (…)
Terá que ser uma figura de respeito que até pode receber missões do Estado”.
Foi assim que Chissano pensou e disse publicamente, através da imprensa,
acrescentando:
“(…) o próprio Dhlakama propôs
que lhe déssemos o tratamento que tem um Presidente da Assembleia da República.
Só que ele quer que isso seja por um acordo, e eu recuso-me a fazer acordos nesse
sentido. Um acordo prevê reciprocidade, mas eu não exijo nada dele, se ele
ganhar as eleições, que faça um Governo do jeito que bem entender”. Acha, Mano
Mané, que esta declaração é pós-eleitoral?
Mais tarde Dhlakama, depois das
eleições, rejeitou integrar o que hoje configura o Conselho de Estado, também
sob proposta de Joaquim Chissano. A exigência é que esse grupo que Chissano
pretendia, fosse criado por lei. Coube à Assembleia da República, já no mandato
de Armando Guebuza, aprovar a criação do Conselho de Estado mais ou menos em
conformidade com as exigências de Dhlakama. Mas ele nunca tomou o seu lugar até
hoje no referido órgão.
O que dizer, então, Mano Mané? O
Estatuto do Líder da Oposição, aprovado pela Assembleia da República em 2014
como Estatuto Especial do Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar, em
termos de génese, não visava resolver conflitos pós-eleitorais. Quem conduziu o
processo até aí, foi o próprio Afonso Dhlakama. Por outras palavras: antes
mesmo das eleições de 1994, as primeiras multipartidárias, Chissano procurou
acomodar o presidente da Renamo, mas este se mostrou irredutível, com ameaças e
tudo o que está registado e acessível a quem quiser consultar.
Outro exemplo: Dhlakama, depois
das eleições de 1994, disse que Chissano estava a insistir em lhe dar estatuto
especial [repare na coincidência “Estatuto Especial”] ou estatuto condigno. O Diário de Moçambique de 30 de Maio de
1995, sete meses depois das eleições, noticia que Dhlakama diz que, devido à
insistência do Presidente da República, em lhe conceder estatuto condigno, vai
designar uma instituição humanitária para tomar conta do valor oferecido para
apoiar as crianças desfavorecidas.
“Como o Presidente insiste que
não se pode acumular dinheiro nas Finanças vou brevemente designar uma
instituição para levantá-lo e para fins humanitários”. O matutino atribui estas
palavras ao presidente da Renamo. Atenção à declaração “o Presidente insiste”!
Está claro que a “oferta” de Chissano não visava resolver nenhum conflito pós-eleitoral,
mas sim a valorização de uma figura importante na história de Moçambique
pós-independência e no processo de democracia.
É isso que creio que Manuel de
Araújo numa situação normal saberia. Não creio que intencionalmente manipulasse
a opinião pública, tornando conflitos não pós-eleitorais em pós-eleitorais. Dou-lhe
benefício da dúvida, na ideia, que não é minha, de que ao lhe conceder o benefício da dúvida, acredito na imagem positiva e benéfica
dele, como se ele estivesse sendo realmente sincero e honesto ao apresentar o
argumento de conflito pós-eleitoral.
Mano Mané, observo, seria de
grande utilidade que procurasse ver o que tem estado a acontecer desde 1992,
antes de chegar a conclusões sobre temas delicados devido às suas
consequências. Se não fizer isso, estará a contribuir para a incompreensão da
realidade moçambicana decorrente da assinatura do Acordo Geral de Paz,
hipotecando uma parte importantíssima da história.
Se Afonso Dhlakama fosse comedido
nas suas exigências, teria obtido Estatuto Especial. É que o Estatuto Especial
proposto por Joaquim Chissano foi o embrião do Estatuto Especial do Líder do
Segundo Partido com Assento Parlamentar, uma figura que tem gente que a ouve,
obviamente para o segundo candidato mais votado.
Quer dizer, Dhlakama há pelo
menos 20 anos teria vivido a experiência, passe o exemplo, de Jesse Jackson –
pensando na proposta de Chissano anterior às eleições de Outubro de 1994. E
acredito que esse Estatuto Especial teria sofrido emendas como acontece com a
Constituição da República, para se encontrar uma melhor formulação possível.
O Estatuto, na sua génese, não
poderia ser como paracetamol nem pomada, mas sim a valorização e dignificação
de Afonso Dhlakama no contexto político nacional. Que hábito é esse de fazer
especulações sobre assuntos documentados, quando há fontes escritas? É falta de
tempo para pesquisa? Talvez.
Nós, escribas, infelizmente, não
conhecemos o caminho que leva ao nosso arquivo ou arquivos de outros órgãos de
comunicação social. Há elites intelectuais que fazem o mesmo, mas se apresentam
como detentoras da verdade sobre conflitos resultantes das reivindicações da
Renamo e Afonso Dhlakama.
Isso é perigoso quando feito por
figuras que foram ou são dos meios académicos, a quem os seus estudantes e a sociedade
confiam e julgam que fazem intervenção baseadas em argumentos verdadeiros,
estudos ou pesquisas fiáveis, quando, sem se saber bem os porquês, não passam
de argumentos não verdadeiros e, por isso, maus.
Só para situar o leitor: Manuel
de Araújo falava como um dos oradores da mesa redonda organizada pelo Centro de
Estudos de Democracia e Desenvolvimento (CEDE), subordinada ao tema Estatuto do
Líder da Oposição. É suposto que as declarações do Mano Mané serão usadas pelo
CEDE nas suas publicações, mas carregam consigo argumentos não verdadeiros [argumentos]
porque falam de conflito pós-eleitoral quando a história não diz isso. E depois
vamos criticar os nossos filhos e irmãos, ora estudantes, pelas suas
imperfeições na interpretação dos fenómenos!
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