terça-feira, 24 de setembro de 2013

HOMENAGEM A DEFENSORES DA LIBERDADE DE IMPRENSA NA ABI

Defensores da liberdade de imprensa recebem homenagem na ABI

20/09/2013 - 19h03
Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Personalidades internacionais que denunciaram escândalos de espionagem e vazamento de informações confidenciais foram homenageadas hoje (20) na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A primeira entrega da Medalha de Direitos Humanos da ABI foi dedicada a Julian Assange, Edward Snowden, Glenn Greenwald, Bradley Manning, Aaron Swartz e Mordechai Vanunu.
De acordo com diretor da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, Mário Augusto Jakobskind, a homenagem é uma forma de reconhecer os serviços prestados à humanidade, ao direito de cidadania e ao direito à informação.
“É uma lembrança também para mostrar para o Brasil que hoje o mundo é global, nós precisamos ter solidariedade a figuras desse porte que sacrificam suas vidas pessoais, inclusive com ameaças à própria vida, ao direito de ir e vir. Eles precisam ser lembrados, tornados figuras públicas e homenageadas, pois estão prestando um serviço de utilidade pública à comunidade internacional, à humanidade mesmo”.
Jakobskind lembra que o direito à informação está relacionado ao pleno exercício da cidadania, quando é uma informação “sem subterfúgios e sem manipulações”. “O principal da homenagem é para que a comunidade internacional tome conhecimento que entidades brasileiras que participam das mobilizações e movimentos sociais estão reconhecendo os serviços prestados por esses cidadãos pelas informações, inclusive relacionados ao Brasil, a espionagem que todos nós sabemos, essa ocorrência lamentável. E graças a ele [Snowden], na verdade nós confirmamos o que já sabíamos, por indícios ou por uma série de questões, agora é confirmado”.
O norte-americano Edward Snowden está envolvido na divulgação do escândalo da espionagem feita pela Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos. Ele tornou público os detalhes de como é feita a vigilância sobre o tráfego de informações e foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Snowden vive em Moscou, na Rússia, onde conseguiu asilo político depois de passar um mês no aeroporto da cidade.
O advogado e escritor Glenn Greenwald divulgou as informações repassadas por Snowden no jornal britânico The Guardian. Seu companheiro, o brasileiro David Miranda, foi detido no Aeroporto de Heathrow, onde passou por interrogatório e teve seus pertences apreendidos. Atualmente, Greenwald mora no Rio de Janeiro.
O australiano Julian Paul Assange é responsável pelo site Wikileaks, que tem publicado uma série de denúncias e informações sigilosas do governo norte-americano, inclusive relacionadas ao tratamento dos prisioneiros de Guantánamo e o envolvimento dos Estados Unidos nas guerras do Afeganistão e Iraque e telegramas secretos da diplomacia. Foi considerado Homem do Ano de 2008 na Franca e entrou na lista dos 100 homens mais influentes do planeta da revista Times em 2011. Assange vive há um ano na embaixada do Equador, em Londres.
O soldado norte-americano Bradley Edward Manning foi preso em 2010 e condenado a 35 anos de prisão por acesso e divulgação de informações sigilosas. Ele foi acusado de vazar 700 mil documentos para o Wikileaks, mas a acusação não foi provada. A após a divulgação da sentença, ele pediu para passar por tratamento hormonal e passou a se chamar Chelsea Elizabeth Manning.
Também norte-americano, o ativista Aaron Hillel Swartz ajudou a criar a licença Creative Commons, que possibilitou acesso a milhões de arquivos públicos do judiciário norte-americano, textos acadêmicos e bancos de dados. Em 2011 ele foi preso, acusado de compartilhar artigos em domínio público pagos pela revista científica JSTOR e de invasão de computadores. Ele suicidou-se em janeiro deste ano. Depois da morte, promotoria retirou as acusações contra ele.
O último homenageado nesta primeira edição da medalha é Mordechai Vanunu, que nasceu no Marrocos e se tornou técnico nuclear em Israel. Ele revelou informações sobre o programa nuclear israelense, divulgadas pela imprensa britânica em 1986. Vanunu foi sequestrado em Londres pelo serviço secreto israelense e condenado por traição. Ficou 18 anos preso, mais de 11 em cela solitária.
Edição: Fábio Massalli
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terça-feira, 17 de setembro de 2013

REVÉS DA TRANQUILIDADE DO BILENE

As estórias da vigilância, desse tempo em que há quem fale da exacerbação de medidas preventivas de quase tudo, são muitas. Lembrei-me de uma delas quando a imprensa reportou o facto de supostos raptores se terem escondido no Bilene, até ao dia do desmantelamento do seu refúgio, com tiroteio pelo meio.
Veio-me à memória o dia em que todos os caminhos iam dar à sede do GD, onde ocorreu um julgamento popular. Era réu um homem alto e forte. Ele contou tudo, tintim por tintim. Sim, de facto, explicou, tinha morto o amante da mulher, mas em legítima defesa. Caso contrário, alegou, teria morrido vítima de agressão física na sua própria casa.
A multidão delirava. O secretário do GD teve que apelar ao silêncio repetidas vezes. Talvez tivesse avaliado mal a reacção dos presentes a cada detalhe contado sobre a consumação do homicídio, incluindo como estrangulou o amante da mulher, surpreendido completamente nu. 
Não era nenhum evadido da cadeia, garantiu: «O juiz concedeu-me liberdade condicional. Escolhi novo bairro para tentar refazer a minha vida e reflectir sobre o passado» – disse, visivelmente constrangido. Estava entre os presentes a sua nova companheira.
A multidão reunida na sede do GD, como resultado vigilância popular, sempre alerta, era dez vezes mais do que os presentes no julgamento que poderia ter sido o início do fim do caso de homicídio involuntário, não fosse o contratempo da vigilância popular. Via-se forçado a remover o passado, a contragosto.
Depois do almoço, desci para a praia, sem pensar em crimes. Era um dia de céu limpo e o azul celeste produzia reflexos sobre as águas límpidas do Bilene. Vi uns barcos e pensei que poucas horas mais tarde, já livre, poderia dar um passeio de barco e desfrutar daquela beleza natural.
 A última vez que me meti numa embarcação regressava de Inhassunge. Foi pouco antes das eleições de 1999. Recordo-me disso pois, por essa altura, completava dez anos sem pôr os pés na cidade de Quelimane, onde estivera pela primeira em 1989. Sentia saudades de navegar.
Desci e caminhei pela praia, aproximando-me das águas e de um indivíduo aparentemente nativo. «É possível ter um barquinho para dar uma voltinha?» – perguntei. E a resposta veio prontamente: «Sim. Aqueles barquinhos que estão acolá».
Claro que queria saber quanto custa. As pequenas embarcações estavam, de facto, um pouco distantes. Mais próximo se podia ver banhistas, casais a namoriscar na água. Duas jovens, que pouco antes tinham provocado uma indagação, própria da pretensão de saber de tudo, mesmo sem elementos para o fazer, também estavam semi-mergulhadas. Outros pares aparentemente se bronzeavam na orla.
Mais tarde apercebi-me de que não tinha prestado atenção a um homem de pouco mais de trinta anos, debaixo da sombra de uma árvore na praia. Com ele, posta a minha preocupação, conversei longamente. A cavaqueira foi provocada, primeiro, perguntando o que eu queria quando me dirigi ao nativo.
«Queria um barco ou quer uma parcela, para construir uma sua casinha de férias na praia?» – perguntou-me. Não estava nos meus pensamentos, nenhuma terra para construir uma casinha da praia para férias. Surpreendido, tornou-se inevitável conter a admiração: «Parcela!...»
O homem, de calções, parecia hábil no negócio: «As pessoas quando se fala de terra na Praia do Bilene para construir, pensam logo em elevadas somas. Não se assuste. Não é um grande valor».
Contou. «Eu nasci aqui, os meus avós têm um terreno. Quero vender uma parte da terra, porque sei que, vivendo longe, não hei-de fazer o devido proveito. Mesmo aqui estou à espera de um interessado, que me telefonou…»
Disse tudo o que me queria explicar sobre a terra, onde ele vivia e o valor, para ele módico, da parcela para a construção da minha casa da praia. Logo me defendi: «Vivo muito longe daqui e seria complicado ter uma casinha da praia».
Ele apresentou os seus argumentos e eu os meus. E sem mentir, o homem referiu-se ao facto de muitos estrangeiros terem lá casas que permanecem quase um ano fechadas, entregues, maioritariamente, às empregas para fins de limpeza, até chegar o verão. E por que eu não teria a minha casinha de férias, onde pudesse descansar com a família nas férias do Natal? Pergunto eu também!
Foi então que, vendendo o seu peixe, falou da tranquilidade da Praia do Bilene. «Isto aqui é um sítio tranquilo. O índice de criminalidade aqui é zero. Se alguém cometer crime, não é daqui…»
Confirmei a tranquilidade. Era perceptível. Não fosse isso, teria passado mal quando voltava de Xinhambanine, numa noite. A minha vista cansada, criou-me problemas, mais uma vez, agravados pela escuridão. Se fosse terra com índices notáveis de criminalidade, teria sido vítima de assalto em vão: «Sim. De facto é um sítio tranquilo» – sublinhei.
«Isto aqui é tão tranquilo que mesmo um bandido se pode esconder por longo tempo. Basta não sair, permanecer onde está, é difícil ser descoberto» – disse, convicto.
Quando contei a estória, da venda de parcela, todo o mundo disse que o homem era burlão. Como omitisse o facto de a Praia do Bilene ser tão tranquila que até criminosos se escondem por um longo período, ninguém comentou.
A referência a criminosos intrigou-me, confesso. Mais do que isso, fiquei assustado. Comecei a pensar em muitas coisas, apesar de a nova autarquia aparentemente ser tranquila. O sossegou absoluto retornou assim que deixei a Praia do Bilene.
Quando li que a polícia tinha desmantelado um esconderijo de criminosos no Bilene, estabeleci uma relação entre essa ocorrência e o que me havia dito o homem. Como evitar que um sítio tranquilo se possa transformar em esconderijo de criminosos? É o puzzle. E a nova tarefa das autoridades locais, incluindo a Polícia. (X)





SILOSIKAGUME: Estórias de expurgação

SILOSIKAGUME: Estórias de expurgação: Chegou o tempo de produzir também obras policiais, assim pensa pelo menos uma editora, entendendo abundar matéria suficiente para esse tipo...

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Estórias de expurgação

Chegou o tempo de produzir também obras policiais, assim pensa pelo menos uma editora, entendendo abundar matéria suficiente para esse tipo de parto, consubstanciado a necessidade com recurso aos tantos crimes ocorridos e que continuam a dominar as preocupações dos moçambicanos: raptos, pedidos de resgate, assassinatos de civis e agentes da Polícia, entre os mais destacados males, pensando-se na lavra sugerida.
Pus-me a reflectir sobre isso. Por que se escreve esta estória e não outra? Talvez sem uma resposta trabalhada fosse de dizer que cada filho nasce quando chega o tempo. «Se calhar mesmo o prematuro, nasce porque chegou o seu tem de sair do vente» – penso eu, reconhecendo os segredos da mãe natureza e as fontes de inspiração para tudo, mesmo para indivíduos como eu, não escritores.
Mas, quando leio, sinto que a escrita sangra. Como intérpretes dos eventos, os que escrevem emergem com olhos da coruja e descrevem as cicatrizes espirituais, sugerindo feridas complexas – é a minha avaliação de leitor de algumas obras.
Sinto isso ao ler e reviver episódios tidos ontem como de somenos importância, mas que ora, como se fosse um despertar, na memória dos mais talentosos, podem estimular a escrita e publicação de best-sellers.
Voltei em pensamentos ao início de 1986, em Chimoio, saía Manuel  António e entrava Rafael Maguni na governação de Manica.
Maguni, primeiro embaixador de Moçambique em Harare, era bom de contar estórias e de as escrever também. Com a sua pena na mão, tornava-se Vandole Ukalyoi.
Vandole ukalyoi, como uma expressão, fazendo fé na explicação de um meu amigo de longa data, que fi-lo passar por quem não era durante muito tempo, até tudo se explicar acidentalmente no mês passado, justamente porque raras vezes pergunto sobre clãs, tribos ou etnias, disse-me que quer dizer “vejam-me fumigando”.
E o bom do Maguni estaria fumigando por quê? Não chegamos aos porquês de não só fumigar, nem também ao facto de nos convidar a vê-lo a defumar. Posso lembrar-me, pois passam longos anos e não mais voltei a ler os seus escritos porque morreu, é que eram lavras inusitadas.
Pensava que, nisso de valorização, pode ser ainda possível fazer a recolha da produção em vida de Vandole Ukalyoi e publicá-la em livro. Assim li Areosa Pena e pode-se reler outros cronistas do tempo em que era difícil sonhar com um livro. Mas havia muita imaginação para contrariar essa dificuldade.
E vou, antes, dizer o que não ouvi da boca de Rafael Maguni na época em que governava Manica, mas colegas de profissão garantiram assim ter acontecido.
Chimoio, além dos pontos como o cruzamento do Inchope, onde se podia interromper a viagem de um jovem em idade militar para ser incorporado na tropa, sem se despedir  de seus familiares, passando curto ou longo tempo a reinar tristeza, dependendo de onde fizesse a preparação político-militar e estivesse afecto para combater, foi por instantes abalada pela operação tira camisa.
Operação tira camisa era a incorporação forçada de jovens nas fileiras das Forças Armadas de Moçambique, à margem do previsto na lei do SMO.
A pacata cidade de Chimoio ficou assustada e eu, que conhecia essa operação da cidade da Beira, embora sem passar por uma experiência directa, por ocorrer intensamente enquanto me encontrava fora do Chiveve, cheguei a pensar que acabaria mobilizado para a guerra.
Quando fui à RM, em Chimoio, garantiram-me que Maguni tinha deixado orientações claras: jornalista não pode ser mexido. Por quê? Com o seu trabalho, já estava a combater…
Verdade ou não, não soube de jornalista sujeito à operação tira camisa. Por coincidência, na cidade de Chimoio, foi passageira. Levou menos tempo. Talvez fora da área urbana tivesse demorado tanto.
Mas, como escrevia, o bom do Maguni escrevia e contava episódios. Um dos tais eventos de somenos importância, cujo alcance hoje pode inspirar quem goste de escrever e registar o nosso percurso histórico, passado recente, ocorreu em Harare. O evento só tem explicação porque em determinado momento político e em certos ministérios trabalhavam moçambicanos e líderes distintos de tantos outros.
Contou ele que, no tempo em que era embaixador de Moçambique em Harare, ocorreu um mal-entendido compreensível de acordo com a própria história do Zimbabwe, diferente do processo de conquista do poder pela Frente de Libertação de Moçambique, quanto à aglutinação de nacionalistas na frente de combate, independentemente de maiorias excluídas ou minorias privilegiadas sugeridos nos tempos correntes.
Desembarcando uma delegação ministerial liderada por moçambicanos fora das cogitações de políticos locais ou pretendendo eles mandar uma crítica indirecta, imiscuir-se na vida alheia, entendeu-se que a comitiva de Moçambique estaria por chegar ao aeroporto.
Os moçambicanos, até hoje, mais ou menos, não se distinguem pelos nomes. O apelido nem sempre é sugestivo, lembrando o episódio envolvendo uma adolescente, de um grupo prestes a embarcar para as terras de Fidel Castro, nos anos 80, diante de quem fazia chamada, mas este a insistir em pedir a sua presença, por não associar o nome à sua pessoa.
O conceito de moçambicano em alguns políticos zimbabweanos era diferente do construído durante a guerra de libertação e nos movimentos nacionalistas e afins surgidos nas escolas e outros centros de cultura e do saber.
Maguni explicou, pois, que a delegação ministerial acabava de desembarcar e era encabeçada pelo ministro e demais quadros do respectivo sector, para o espanto de políticos zimbabweanos, que ao fim e ao cabo se conformaram com a realidade do país vizinho.
Só mais tarde o embaixador se apercebeu da imagem de moçambicano na visão desses políticos, os quais tinham outras referências em determinadas esferas, sobretudo na política, correspondendo à sua própria história de auto-determinação, passando pelo regime de Ian Smith.
Mas porque isso? Se releremos a própria história da FRELIMO, podemos reencontrar tais momentos e episódios, essas perguntas feitas em certos momentos, dependendo da visão de quem as faça e, se calhar, das motivações.
Mas é bom que o país sangre na sua escrita. Quem tiver criatividade pode produzir um best-seller. As obras policiais terão de esperar, pois ainda temos assuntos que constituem as nossas principais fontes de inspiração. Haverá o tempo em que não  serão temas de somenos importância na nossa lavra como se prova hoje em relação ao passado recente. O tempo é mesmo mestre. (x)