quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Estórias de expurgação

Chegou o tempo de produzir também obras policiais, assim pensa pelo menos uma editora, entendendo abundar matéria suficiente para esse tipo de parto, consubstanciado a necessidade com recurso aos tantos crimes ocorridos e que continuam a dominar as preocupações dos moçambicanos: raptos, pedidos de resgate, assassinatos de civis e agentes da Polícia, entre os mais destacados males, pensando-se na lavra sugerida.
Pus-me a reflectir sobre isso. Por que se escreve esta estória e não outra? Talvez sem uma resposta trabalhada fosse de dizer que cada filho nasce quando chega o tempo. «Se calhar mesmo o prematuro, nasce porque chegou o seu tem de sair do vente» – penso eu, reconhecendo os segredos da mãe natureza e as fontes de inspiração para tudo, mesmo para indivíduos como eu, não escritores.
Mas, quando leio, sinto que a escrita sangra. Como intérpretes dos eventos, os que escrevem emergem com olhos da coruja e descrevem as cicatrizes espirituais, sugerindo feridas complexas – é a minha avaliação de leitor de algumas obras.
Sinto isso ao ler e reviver episódios tidos ontem como de somenos importância, mas que ora, como se fosse um despertar, na memória dos mais talentosos, podem estimular a escrita e publicação de best-sellers.
Voltei em pensamentos ao início de 1986, em Chimoio, saía Manuel  António e entrava Rafael Maguni na governação de Manica.
Maguni, primeiro embaixador de Moçambique em Harare, era bom de contar estórias e de as escrever também. Com a sua pena na mão, tornava-se Vandole Ukalyoi.
Vandole ukalyoi, como uma expressão, fazendo fé na explicação de um meu amigo de longa data, que fi-lo passar por quem não era durante muito tempo, até tudo se explicar acidentalmente no mês passado, justamente porque raras vezes pergunto sobre clãs, tribos ou etnias, disse-me que quer dizer “vejam-me fumigando”.
E o bom do Maguni estaria fumigando por quê? Não chegamos aos porquês de não só fumigar, nem também ao facto de nos convidar a vê-lo a defumar. Posso lembrar-me, pois passam longos anos e não mais voltei a ler os seus escritos porque morreu, é que eram lavras inusitadas.
Pensava que, nisso de valorização, pode ser ainda possível fazer a recolha da produção em vida de Vandole Ukalyoi e publicá-la em livro. Assim li Areosa Pena e pode-se reler outros cronistas do tempo em que era difícil sonhar com um livro. Mas havia muita imaginação para contrariar essa dificuldade.
E vou, antes, dizer o que não ouvi da boca de Rafael Maguni na época em que governava Manica, mas colegas de profissão garantiram assim ter acontecido.
Chimoio, além dos pontos como o cruzamento do Inchope, onde se podia interromper a viagem de um jovem em idade militar para ser incorporado na tropa, sem se despedir  de seus familiares, passando curto ou longo tempo a reinar tristeza, dependendo de onde fizesse a preparação político-militar e estivesse afecto para combater, foi por instantes abalada pela operação tira camisa.
Operação tira camisa era a incorporação forçada de jovens nas fileiras das Forças Armadas de Moçambique, à margem do previsto na lei do SMO.
A pacata cidade de Chimoio ficou assustada e eu, que conhecia essa operação da cidade da Beira, embora sem passar por uma experiência directa, por ocorrer intensamente enquanto me encontrava fora do Chiveve, cheguei a pensar que acabaria mobilizado para a guerra.
Quando fui à RM, em Chimoio, garantiram-me que Maguni tinha deixado orientações claras: jornalista não pode ser mexido. Por quê? Com o seu trabalho, já estava a combater…
Verdade ou não, não soube de jornalista sujeito à operação tira camisa. Por coincidência, na cidade de Chimoio, foi passageira. Levou menos tempo. Talvez fora da área urbana tivesse demorado tanto.
Mas, como escrevia, o bom do Maguni escrevia e contava episódios. Um dos tais eventos de somenos importância, cujo alcance hoje pode inspirar quem goste de escrever e registar o nosso percurso histórico, passado recente, ocorreu em Harare. O evento só tem explicação porque em determinado momento político e em certos ministérios trabalhavam moçambicanos e líderes distintos de tantos outros.
Contou ele que, no tempo em que era embaixador de Moçambique em Harare, ocorreu um mal-entendido compreensível de acordo com a própria história do Zimbabwe, diferente do processo de conquista do poder pela Frente de Libertação de Moçambique, quanto à aglutinação de nacionalistas na frente de combate, independentemente de maiorias excluídas ou minorias privilegiadas sugeridos nos tempos correntes.
Desembarcando uma delegação ministerial liderada por moçambicanos fora das cogitações de políticos locais ou pretendendo eles mandar uma crítica indirecta, imiscuir-se na vida alheia, entendeu-se que a comitiva de Moçambique estaria por chegar ao aeroporto.
Os moçambicanos, até hoje, mais ou menos, não se distinguem pelos nomes. O apelido nem sempre é sugestivo, lembrando o episódio envolvendo uma adolescente, de um grupo prestes a embarcar para as terras de Fidel Castro, nos anos 80, diante de quem fazia chamada, mas este a insistir em pedir a sua presença, por não associar o nome à sua pessoa.
O conceito de moçambicano em alguns políticos zimbabweanos era diferente do construído durante a guerra de libertação e nos movimentos nacionalistas e afins surgidos nas escolas e outros centros de cultura e do saber.
Maguni explicou, pois, que a delegação ministerial acabava de desembarcar e era encabeçada pelo ministro e demais quadros do respectivo sector, para o espanto de políticos zimbabweanos, que ao fim e ao cabo se conformaram com a realidade do país vizinho.
Só mais tarde o embaixador se apercebeu da imagem de moçambicano na visão desses políticos, os quais tinham outras referências em determinadas esferas, sobretudo na política, correspondendo à sua própria história de auto-determinação, passando pelo regime de Ian Smith.
Mas porque isso? Se releremos a própria história da FRELIMO, podemos reencontrar tais momentos e episódios, essas perguntas feitas em certos momentos, dependendo da visão de quem as faça e, se calhar, das motivações.
Mas é bom que o país sangre na sua escrita. Quem tiver criatividade pode produzir um best-seller. As obras policiais terão de esperar, pois ainda temos assuntos que constituem as nossas principais fontes de inspiração. Haverá o tempo em que não  serão temas de somenos importância na nossa lavra como se prova hoje em relação ao passado recente. O tempo é mesmo mestre. (x)





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