quarta-feira, 24 de julho de 2013

Chissano-Dhlakama e Guebuza-Dhlakama

(Lembrando fórum presidencial, em 1995, e Conselho de Estado, em 2005)
Porque desconfio dos debates sobre a tensão em Moçambique tendo como ponto de partido o meio e não o início dos eventos, mas convencidos, nós, da razão ou justeza e verdade dos argumentos esgrimidos, tenho estado a revisitar o tema do relacionamento entre o Governo (da Frelimo) e a Renamo, desembocando na expressão do diálogo Joaquim Chissano-Afonso Dhlakama e Armando Guebuza-Afonso Dhlakama.
Avaliar se um moçambicano de 35 anos seria capaz ou não de compreender e interpretar a história recente do país, com acento tónico no diálogo sugerido, é minha inquietação. Pensando nos 20 anos do AGP em 2012, se subtrairmos 20 anos a um cidadão de 35 anos hoje, teremos o retrato de um fedelho, passa a expressão, embora gozando de todos direitos consagrados nas leis e os costumeiros.
Se cavarmos mais fundo, para além do que um moçambicano de 35 anos elabora como análises desse processo, o que exigiremos como ferramentas? Dado que aos 15 anos, de um modo geral, não se tem bagagem em termos tais como experiência da vida (maturidade) e escolaridade, por exemplo, ele terá de ouvir e ler muito para entrar na discussão de forma adulta. Caso contrário, arrisca-se a começar a partir do meio dos acontecimentos ou do período correspondente à sua idade.
Se qualquer mortal se esquece de determinados factos e sendo isso de natureza humana, uma das maneiras de tentar superar seria a pesquisa porque hoje, com 35 anos, não são poucos os moçambicanos com diploma universitário, embora continuem uma minoria. E Nicolau Maquiavel diz mesmo em outras reflexões: (…) os homens se esquecem mais rapidamente da morte do pai do que da perda de património”.
Essas e outras questões justificam a minha insistência de voltar ao princípio para analisar o diálogo sugerido, primeiro, Joaquim Chissano-Afonso Dhlakama e, segundo, Armando Guebuza-Afonso Dhlakama. Mas darei apenas dos exemplos similares do diálogo: Fórum Presidencial e Conselho de Estado, correspondendo aos períodos de governação de Chissano e de Guebuza, esta, ainda, em curso.
Reflicto sobre a interpretação das exigências do Governo e dos próprios Presidentes  da  República, de observância das leis e respeito pelas instituições, como legalismo, como tem sido voz corrente. O dicionário da língua portuguesa, à mão, define o legalismo como “atitude teórica ou prática que consiste em considerar apenas a legalidade, isto é, as exigências da lei positiva, sem ter em conta a lei natural, a equidade e a caridade”.
Apela-se, por assim dizer, que o Governo abandone o formalismo para atender à necessidade de preservação da paz, perante as reclamações e exigências de Afonso Dhlakma/Renamo.
O verso da moeda pode não ser analisado e é aí que considero que alguma equidade se olvida. Leia-se as declarações de Dhlakama, publicadas na edição de 10 de Fevereiro de 1995 do semanário Savana, página 4, com o título: “Eu não vou participar no fórum presidencial”:
“O líder da Renamo disse ao Savana que ele não vai participar no fórum presidencial de consulta a ser criado oportunamente pelo Presidente da República, Joaquim Chissano.
Dhlakama argumenta que de acordo com informações que lhe chegaram, Chissano quer juntar líderes políticos, empresários, académicos e religiosos para uma simples troca de ideias sobre vários assuntos da vida nacional.
Dhlakama pensa que sendo um organismo que não está previsto na Constituição nem em nenhuma lei, essa consulta ‘vai sempre parecer um favor que o Chefe do Estado faz’ e por conseguinte, ‘será facultativo, para ele, aceitar as propostas e sugestões que surgirem’.
Afonso Dhlakama diz peremptório:’eu, se esse fórum não for criado através de uma lei que indique claramente qual é a função e a sua força, não irei participar nele’.
Este político diz que sem a força da lei, o fórum funcionará quando e como o Chefe do Estado entender e as suas deliberações não serão vinculativas de nenhuma forma ao Presidente da República.
‘Eu só posso estar no fórum se o Parlamento criá-lo a partir de uma lei. Assim, vamos lá, discutimos, forçamos o Chefe do Estado a tomar decisões ou a introduzir mudanças’, comenta Dhlakama sentenciando, entre gargalhadas, que basta de lá ir ter com ele, sugerir uma série de coisas e ele dizer que ‘vou estudar’ e depois ficar calado eternamente’.
Segundo ele, a experiência que tem de consultas com Chissano não é de toda ‘boa’.
‘A gente encontra-se, trocamos ideias, ele ouve, os secretários fartam-se de tomar notas, mas depois diz que vou estudar, vou avançar nesse sentido, mas depois cala-se’.
Domingos Arouca, é outro dos políticos que já comentou publicamente que este fórum é inconstitucional, carecendo portanto de força legal para ser coisa credível”.
O “Diário de Moçambique” de 11 de Fevereiro reproduziu parcialmnte as declarações de Dhlakama, com o título: “Dhlakama não fará parte do fórum presidencial”.
Voltando à definição de legalismo, pode-se pôr em questão se Dhlakama não estaria a sê-lo (legalista), não dando importância à equidade e caridade. Aparentemente, rejeita a caridade, ao afirmar que um encontro com os líderes políticos e outras figuras nomeadas “vai sempre parecer um favor que o Chefe do Estado faz”.
Essa é a época de Chissano, que Dhlakama também acusou de ter instituído totalitarismo e, no seminário “Eleições, Democracia e Desenvolvimento”, em Junho do mesmo ano, afirmou não poder conter os ânimos (exaltados) do povo. Chegou mesmo a exigir revisão da Constituição e eleições antecipadas, entre outras declarações de insatisfação contra a governação de Joaquim Chissano.
Chissano termina o seu mandato em 2004. Armando Guebuza é seu sucessor eleito na votação de 1 e 2 de Dezembro do mesmo ano.
A Constituição da República, aprovada pela Assembleia da República a 16 de Novembro de 2004, responde ao que Afonso Dhlakama exigia, quando se recusava a integrar o fórum presidencial da iniciativa de Joaquim Chissano, de só “ estar no fórum se o Parlamento criá-lo a partir de uma lei”.   
Cria-se o Conselho de Estado (CE) como órgão de consulta do Presidente da República em 2005, em conformidade com o disposto na CR.
O CE é presidido pelo Presidente da República, com competências tais como de aconselhar o PR no exercício das suas funções sempre que este o solicite e ainda pronunciar-se obrigatoriamente sobre a dissolução da Assembleia da República; declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência; realização de referendo (…) e convocação de eleições.
Se, de facto, o problema de Dhlakama fosse de existência de uma lei, teria tomado posse e estaria a exercer as suas funções de aconselhar o PR e de se pronunciar sobre as matérias referidas como membro do CE.
Joaquim Chissano não conseguiu ter Afonso Dhlakama no previsto fórum, devido ao formalismo, mas nem o legalismo, se assim se pode dizer, através da Assembleia da República, no período de Armando Guebuza, fez o presidente da Renamo mudar de atitude.
Pode-se pensar, em última análise, que o problema de Dhlakama pode não ser o das leis, pois mesmo quando estas são aprovadas, respondendo às suas inquietações, não muda. O que é então? Não sei. Mas dá para reflectir e assegurar a construção de factos e não ficção. Umas vezes, Afonso Dhlakama quer leis mas outras, não quer saber das leis.
Não seria o Conselho de Estado um espaço para diálogo, mesmo ao tempo em que Chissano pensava em fórum presidencial tido como ilegal? Vou pensando se é possível discutir sobre legalismo, com isenção, para se conseguir encaixar as preocupações de Afonso Dhlakama de forma compreensível. Parece-me que se a atitude do presidente da Renamo não for bem estudada, as respostas aos problemas emergentes em cada ciclo político ou no quotidiano podem não ser achadas, porque há o risco de se pensar em novas ideias quando nada mudou.
As leituras que de há um tempo a esta parte faço, sistematizando informações, apontam para questões mais complexas, senão mesmo para a falta de cuidado ou desatenção, do que pensar em afastar o legalismo no tratamento de assuntos em estado latente, os quais desafiam as fórmulas até aqui aplicadas para os resultados que um moçambicano de 35 anos pode ignorar se não pesquisar o passado. (X)






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