quarta-feira, 28 de julho de 2021

AS CARTAS DE EDUARDO MONDLANE

09/02/2012

As cartas de Eduardo Mondlane

Por  FRANCISCO MUIANGA

Moçambique está a viver um momento interessante da sua história. Se, por um lado, vão sendo publicadas obras, através das quais os veteranos da Frente de Libertação de Moçambique dão testemunho, no seu modo de interpretação da luta armada e factos a respeito desse evento, por outro, o debate aquece, nem que seja para questionar se o cinquentenário é da FRELIMO ou da Frelimo? Janeth Mondlane, viúva de Eduardo Chivambo Mondlane, veio, numa entrevista à TV,  com um facto interessante: ela vai publicar as cartas escritas por Mondlane. E aí, penso, há-de ser uma pena que esses escritos do Dzovo, se me permitem, nem todos em português e daí ser uma obra sua tradução, não cheguem às mãos dos interessados em lê-los antes de 25 de Junho de 2012.
Uma pena, por quê? À partida, considero que vão despertar interesses não só dos estudiosos, académicos, mas eventualmente de muita gente, incluindo curiosos.
Sem querer, talvez, Janeth aguçou a curiosidade, que creio ser de muitos, ao advertir que omitirá aspectos delicados do que Mondlane escreveu (delicado é minha interpretação), a respeito de pessoas ainda vivas.


Mais avidez, de leitura, não provocaria a declaração da viúva de Mondlane, se não dissesse que caberá, mais tarde, aos filhos divulgarem as omissões, se for do interesse deles. Logo: as cartas abordam questões profundas da Frente de Libertação de Moçambique, em que são protagonistas Eduardo Mondlane e seus camaradas.
A viúva de Mondlane não quer, compreendo assim, produzir polémicas, se bem que estas, quando bem conduzidas, possam ser úteis: limam as arestas, ajudando os leitores a ajuizarem melhor determinados factos.
Ela prefere omitir o que escreveu quem já não existe na face da terra, a provocar reacções inimagináveis dos vivos, cujos nomes constem das cartas — os mortos não se podem defender nem contestar prováveis interpretações duvidosas dos seus actos e seria complicado um debate entre estes e os vivos.
A FRELIMO viveu momentos conturbados, um dos quais em 1968. Não será que Mondlane escreveu sobre esse momento? Pode ser que sim. E a tê-lo feito, a divulgação das cartas permitirá que se saiba o que ia na sua alma, se os factos estão ajustados ao que se sabe ou não, como reagiu.
Mas pode ser que nas próximas edições disso não saibamos, se as pessoas ainda vivas, situação acautelada por Janeth Mondlane, forem referidas. Seja como for, abre-se a possibilidade de se compreender Dzovo pelo seu punho, as suas preocupações, as dificuldades de liderar uma Frente, óbvias, se atendermos aos conflitos, seu assassinato e mais acontecimentos que até aqui não apresentam a sua versão.
É uma parte importante do cinquentenário da FRELIMO/Frelimo e arrisco-me a considerá-la indispensável. Provavelmente a divulgação desses escritos venha  estimular outras iniciativas do género porque, certamente, se a viúva de Mondlane guardou cartas, outras figuras envolvidas na luta armada devem ter outros testemunhos escritos ou não de diferentes intervenientes.
Os livros, dos poucos publicados, quer pelos veteranos da guerra colonial do lado da Frente quer por outros moçambicanos, vão revelando factos que tornarão mais sólida a história contemporânea de Moçambique.
Quero contar um episódio: um dia, ouvi, mas não estava sozinho, fazer-se uma referência a uma das tantas figuras cujo percurso nas acções inscritas na procura de emancipação dos moçambicanos tem sido descrita. Era uma versão diferente e quem falou, introduziu um elemento extremamente forte, que era a proximidade, vizinhança, com essa figura, embora com ressalva de diferença de idade.
Não me causou espanto, porque, procuro pensar de forma crítica, fazer as minhas interrogações, análises e tentativas de conclusões. Até então, tinha lido poucas referências a essa figura, mas como se o divino me tivesse ouvido, pouco tempo depois li sobre a tal figura três livros, de autores diferentes.
Longe de mim está a intenção de julgar quem quer que seja.”O julgamento: Quando julgamos muito severamente, estamos a bloquear a nossa visão, deixando de enxergar as pessoas em toda sua complexidade. Ninguém pode ser rotulado. Existem tantos lados, quanto existem opiniões. É por isso que a mesma pessoa pode ser simpática para uns e irritante para outros. Perceba então que na verdade você só vê uma projecção de si mesmo no outro” — Arcano do Dia, dia em que iniciei a escrever estas linhas.
Mas, essa referência e os outros livros que li, o último dos quais com muitos detalhes, como se a obra fosse dedicada exclusivamente a essa figura — na verdade o escrito tem detalhes importantes sobre os eventos referentes à luta de libertação e outros registados até 1974 —, permitiram-me construir um certo conhecimento sobre a tal figura.
É por tudo isso que, com enorme expectativa, acredito que o  livro inspirado nas cartas de Eduardo Chivambo Mondlane será interessante. Com omissões ou não, está em perspectiva uma nova fonte da nossa história, que há-de ser de grande valor para a compreensão de determinados factos.

DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 08.02.2012

 

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