quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Chimwenje, Young Pioneers e Al Shabab



Chimwenje, Young Pioneers e Al Shabab
[Tudo problemas internos do partido Frelimo?]
I
Estarrecido. Dá para ficar. A facilidade com que selamos, como uma verdade, o que os políticos dizem, lembra-me o serial journalist (1998:65), descrito por Furio Colombo, escriba italiano autor da obra “Conhecer o Jornalismo Hoje: Como se Faz a Informação”, livro emprestado a um amigo ou colega que, indubitavelmente, não merece mais a minha confiança, quanto ao respeito por bem alheio, pois não mais mo devolveu. “Como nasce uma notícia” é o propósito da referência a Colombo.
Talvez mesmo, o caso de entrevista: “ […] um instrumento imperfeito e raramente credível, em que o risco de [o entrevistador ou jornalista] ser usado é tão grande quanto o risco de usar o entrevistado” (p.85). Esta observação de Colombo faz parte da abordagem “A entrevista”. Mas se dissesse que isso permite ler a entrevista concedida por Afonso Dhlakama ao Savana (20 de Outubro de 2017, p.1, 2 e 3), estaria próximo ou distante do enquadramento? Que o leitor tire as suas conclusões.
Por falar de italiano, lembro-me do Kamal. Veio, em Maio de 1994, ao Aeroporto Internacional de Roma para nos transportar num pequeno carro até ao Hotel Astrid, defronte do Largo Antoni Sarti. Estava com colega Fernando. Íamos ao “ Traning Course for Professionals Journalists from New Democracies”.
“Don’t sleep Francisco!...”, era o que dizia Kamal (Bahar Kamal, salvo erro), vendo-me a dormir no carro, quando, em situação normal, estaria a apreciar a cidade de Roma. Pela primeira e, até aqui, a única vez, pisava aquela capital que acolhe o Estado do Vaticano. Mas a sonolência me dominava, de sorte que por mais vontade que tivesse de manter os olhos abertos, não conseguiu. Por quê?
Esta coisa de a LAM alterar datas ou atrasar voos, não é de hoje. Passei por isso naquele ano e outros anteriores e seguintes. A minha viagem acabou por começar numa manhã, manhã de espera no Aeroporto da Beira até à tarde, quando finalmente aterrou um boeing da chamada “nossa companhia de bandeira”. Cheguei a Maputo quando o avião da Air France estava prestes a partir. Já se movimentava a escada e travei uma discussão azeda, porque há quem me quisesse atribuir responsabilidades, afirmado: “O senhor deveria ter chegado a Maputo ontem…”
Engano! A LAM era a culpada porque nesse “ontem” a companhia não fizera o voo marcado. Pior, ainda, é que no dia seguinte, fê-lo com bastante atraso, para passageiros que iriam fazer ligações para Joanesburgo, pois os de Lisboa estavam numa situação tranquila, porque a partida era a noite. Fui o último a embarcar na aeronave da Air France.
Cheguei a Paris cerca das 8:00 horas do dia seguinte e quando desembarquei em Roma, estava cansado e cheio de sono. O “don’t sleep Francisco”, repetido várias vezes, até Hotel Astrid, não era atendido. Outra recomendação de Kamal, depois de receber as liras para a minha subsistência: “Don’t spend all your money…
Se no primeiro caso tive que confessar, correcto ou não, “I’m so tired” [estou tão cansado], no segundo, só me pus a rir. Era já um trintão, embora aos olhos de Kamal pudesse parecer mais novo do que era na realidade. Não ia gastar todo o dinheiro, com certeza. Até economizei e esqueci de cambiar umas liras que, com o tempo, se perderam ou estão guardadas onde já não sei!
Kamal foi quem nos mostrou, primeiro, parte de Roma. O resto descobrimos. Ele explicou que usava um carro pequeno para conseguir circular naquela cidade com engarrafamento que não lembrava nenhuma urbe moçambicana em 1994. Creio que a cidade de Maputo até hoje não chega aos níveis de congestionamento “romano”.
Compilou-se um manual com as divisas do jornalismo: “Tell the Truth”. Esta é uma delas. Essa verdade de difícil decifração (?) deve ser procurada, por jornalistas, em princípio, como atitude profissional incontornável e como uma bússola.
Mandaria um abraço ao Kamal. Porém, ele, mesmo se estiver vivo 23 anos depois, não haveria de ter acesso a esta prosa como, outrossim, estou convencido que até colegas do curso, um angolano, um etíope, um malawiano, dois eritreus, dois ugandeses e dois tanzanianos, sobre Fernando me abstenho, talvez não. Por quê?
Durante o curso destinado a profissionais de jornalismo das novas democracias africanas, ficou evidente que a África é lida a partir da visão ocidental [as notícias fazem o curso um país de África-Ocidente- vários países africanos, a partir do Primeiro Mundo] e, por isso mesmo, as notícias do continente reportadas preferencialmente informam sobre guerras, fome, miséria, enfim, reportam males. Ninguém estaria interessado em um escrito como este, embora, se calhar, a referência ao Al Shabab possa despertar atenção. Até os malawianos devem não se recordar do seu grupo Young Pioneer!
Por esse lado entro, quando procuro ler a violência e o surgimento de grupos sobre os quais não se tem uma explicação clara em Moçambique, o bastante, dois dos quais mataram: Chimwenje e supostos membros do Al Shabab. O terceiro, Young Pioneers, mas o primeiro conhecido cronologicamente, entrou em Moçambique, existiu, supostamente ou não, saiu ou desapareceu sem provocar derramamento de sangue e, quiçá, nem prisão.
II
De repente, ocorreu o que os moçambicanos nunca tinham ouvido falar durante a Guerra dos 16 Anos. Um grupo, denominado Young Pioneers, do Malawi, estava no país. A notícia referia que entrou em Moçambique “depois de confrontos com as forças armadas do Malawi”, constituindo um batalhão “acomodado numa base da RENAMO no distrito de Milange, na Zambézia, alegação que foi desmentida pelo movimento liderado por Afonso Dhlakama” (Diário de Moçambique, de 12 de Janeiro de 1994, p.1).
O Malawi pedia o repatriamento desses “jovens pioneiros”, integrando mil homens ligados ao partido do Hastings Kamuzu Banda, que, no mesmo ano, através das eleições, foi sucedido por Bakili Muluzi.
Os Young Pioneers não parece terem disparado armas no território nacional, que provocasse instabilidade em Moçambique, até ao seu desaparecimento, não sei se documentado ou não. Acerca deles pouco se sabe. Mas vale a pena referir que o jornal The Monitor, daquele país, escreveu na sua edição de 11 de Abril de 1994: “ They will only retur on Tembo’s orders-Renamo: MYPs Ok In Mozambique” (Diário de Moçambique, de 26 de Abril de 1994, p.16).
O texto refere que eles “estão bem instalados e regressarão ao Malawi logo que sejam solicitados pelo senhor John Tembo (ministro malawiano do Estado)”, atribuindo-se esta declaração a um oficial da Renamo identificado como sendo Alberto Carlos, o qual explicou: “Nós tomamos cuidados deles porque nos assistiram nos momentos difíceis da nossa guerra”.
Carlos também, de acordo com a tradução do texto do trissemanário The Mirror, publicada no Diário de Moçambique, acrescentou: “Eles cederam-nos instrutores treinados por israelitas para formarem elementos da RENAMO. Inclusivamente tivemos oportunidade de treinar os nossos homens em Mount View Military, no Malawi”.
Esta é a primeira questão sobre a presença em Moçambique, em determinados momentos, de homens armados, estrangeiros [os armados moçambicanos, podem não ser conhecidos numericamente, são uma referência suis generis da democracia] sem uma explicação muito bem dada, não sendo de admirar os supostos integrantes do Al Shabab em Mocímboa da Praia ou qualquer outro lugar do território nacional. Lembrar que estrangeiros ilegais atravessam diariamente as fronteiras moçambicanas, seria salutar.
II
Uma vez ultrapassada a questão dos Young Pioneers de Hastings Kamuzu Banda, surge a grave problemática do grupo designado Chimwenje. Assinala-se que Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama assinaram o Acordo Geral de Paz em Roma, Itália, sem nunca se ter falado desses homens armados zimbabweanos, que aterrorizaram parte da Estrada Nacional nº1 e regiões de Manica.
Para surpresa de parte dos moçambicanos, publica-se um artigo sob o título “Exigindo dinheiro e não só…:Rebeldes Zimbabweanos assassinam em Dombe”. «Três pessoas foram mortas quando, recentemente,  um grupo de rebeldes zimbabweanos “Chimuenjes” atacou uma unidade moageira, na sede do posto administrativo de Dombe, distrito de Sussundenga, na província de Manica.
Xavier Johane Moiane e Matias Mute são duas das três vítimas e as mortes tiveram lugar após os “Chimuenjes” terem exigido dinheiro e comida a trabalhadores de uma moagem na sede de Dombe» (Diário de Moçambique, de 4 de Abril de 1995, p.16).
Porque em anteriores ocasiões, quando contestava a retórica de que Moçambique passou 20 anos sem disparo de armas, sobre o grupo Chimwenje escrevi, farei um pequeno resumo, incluindo as suspeições de ligação rebeldes-Renamo, os pronunciamentos de Afonso Dhlakama acerca do assunto e as cautelas de Chissano em 1996.
Atribui-se a Dhlakama, num encontro com Chissano, em que debateram “últimos desenvolvimentos políticos”, a afirmação de que “se houver algum homem da Renamo envolvido nos incidentes, estará a fazê-lo a título pessoal e, por isso, deve ser tratado criminalmente” (Diário de Moçambique, de 17 de Novembro de 1995, p.1).
O mais grave é quando se escreve: “Terror instala-se na EN Nº1”. “Um morto, três feridos e muito dinheiro roubado, constituem o balanço preliminar do assalto à mão armada verificado cerca das 2.00 horas da manhã de ontem a dois autocarros da empresa Virgínia e a um camião, no espaço entre Muxúnguè e Rio Búzi, distrito de Chibabava, na província de Sofala” (Diário de Moçambique, de 10 de Janeiro de 1996, p.1).
O lado interessante é que os assaltantes afirmavam: “Vocês que andaram a votar em Chissano e na Frelimo vão pagar caro pela vossa escolha. Porque é que não votaram na Renamo e em Afonso Dhlakama?
Este assunto chegou à Assembleia da República e pode ter sido discutido entre Moçambique e Zimbabwe (Diário de Moçambique, de 19 de Janeiro de 1996, p.1).
Curioso é que, mudando do entendimento inicial, Dhlakama considerou depois que se trata de manobras da Frelimo, “através de grupo de moçambicanos preparados na cidade da Beira e com retaguarda segura no distrito de Nhamatanda” (Diário de Moçambique, de 20 de Janeiro de 1996, p.1).
O grupo Chimwenje foi introduzido em Moçambique em 1983 e treinado pela Renamo, reagindo à presença de militares zimbabweanos no país (Diário de Moçambique, de 28 de Fevereiro de 1996, 1e 16). Esta “revelação” é feita por Cristopha Makwame, tido como um oficial Chimwenje capturado pela Polícia (p.16).
Chissano vai à Assembleia da República e explica:
O legado da guerra recente aconselhou-nos calma, ponderação e bom senso no tratamento deste tipo de assuntos.
Neste sentido, em vez de entrarmos em acções de repressão generalizada e provocar convulsões desnecessárias, decidimos enveredar por uma acção selectiva, minuciosamente estudada e direccionada a objectivos bem identificados e delineados com vista a não deixarmos escapar os elementos nocivos, incluindo os ditos chimwenjes ao mesmo tempo que evitamos que pessoas inocentes sejam sacrificadas. Continuaremos a proceder desta maneira até onde a prudência aconselhar e os interesses nacionais os ditarem” (Diário de Moçambique, de 1 de Março de 1996, p.1)
Talvez o mais relevante, seja o excerto:
Com a condenação, anteontem, de sete elementos do grupo em que somente um, Luck Mulombo, é zimbabweano, a penas de dois a 16 anos de prisão maior por mercenarismo e rebelião armada, chegou ao fim o longo julgamento do caso chimwenjes, que vinha decorrendo há cerca de quatro meses no Tribunal Judicial Provincial de Manica (TJPM), na cidade de Chimoio” (Diário de Moçambique, de 7 de Setembro de 1996, p.1)
III
Posto tudo isso, de forma resumida, mesmo não se tendo falado do caso Vega 5, não parece razoável que fiquemos admirados com supostos integrantes do Al Shabab. Também ninguém se deve deslumbrar com as declarações atribuídas a Afonso Dhlakama, tais como os atiradores de Mocímboa da Praia são todos jovens locais, que conhecem com precisão a geografia do local”.
Se gostasse de especular, poderia concordar parcialmente com o entendimento de Dhlakama, de que os ataques a Mocímboa têm “cunho político” e “não há estrangeiros a manipular as metralhadoras e catanas”, mas, inversamente, lançando um olhar sobre quem sairia beneficiado com essa desordem, tendo em conta o mesmo momento político sobre o qual assenta a conclusão do presidente da Renamo.
Dhlakama estranha que os ataques tenham iniciado depois da evolução das negociações entre o governo e a Renamo, e o Presidente Filipe Nyusi ter saído com autoridade reforçada no congresso da Frelimo terminado a 2 de Outubro. “A minha inteligência em Mocímboa da Praia falou-me que (os ataques) são problemas internos da Frelimo”, disse Afonso Dhlakama, em contacto telefónico, a partir da Gorongosa. É isso que se reporta.
Para ele é pouco provável que os atacantes sejam radicais, tal como tem sido noticiado. Para mim, o que é pouco provável é a Frelimo ter um problema interno de que resultem ataques do género. Mas, suporto a minha objecção no que tem marcado o processo político moçambicano e, no caso, dei os exemplos de Young Pioneers e grupo Chimwenje. Se quisesse, poderia arrolar mais elementos. Reputo de conclusão forçada, senão mesmo preguiçosa, a de que quem atacou e aterrorizou Mocimboa da Praia visava embaraçar Filipe Nyusi (Savana, de 20 de Outubro de 2012, p.1).
As questões de defesa e segurança em Moçambique têm falhado de tal sorte que o próprio Afonso Dhlakama tira proveito disso. Somente num país assim é que conseguiu se rearmar em 2012, provavelmente com um plano bem estudado desde que se fixara em Nampula em 2009. Já entraram estrangeiros do Malawi, estes até de forma recorrente perturbam Niassa, e zimbabweanos, com armas. Outros não, por quê? Não invento nada.
O historiador Michel Cahen escreveu que os quadros da Renamo, em 1994, durante a campanha eleitoral, garantiram a Afonso Dhlakama que tudo estava bem e que só não ganharia as eleições se houvesse fraude, escondendo a verdade no terreno.
Dhlakama agora afirma: “ […] com base naquilo que a minha inteligência me informa como líder, isso é um problema interno da Frelimo. São alguns chefes no seio da Frelimo que não estão a gostar das negociações entre Dhlakama e Nyusi, porque estas negociações podem pôr termo ao conflito […]” (Savana, de 20 de Outubro de 2017, p.1).
Parece, insisto, que a conclusão é forçada. Mas o que é de substância é que o diálogo permita o fim do conflito em causa e doutros conflitos que se registam mesmo depois da assinatura do Acordo Geral de Paz. De Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama espera-se que viabilizem isso, mas a versão da inteligência da Renamo sobre Al Shabab deixa muitas dúvidas.


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