quarta-feira, 6 de novembro de 2013

ATÉ HÁ LIBERDADE DE VENDER CAMARÃO

(…) Mas, quando leio, sinto que a escrita sangra. Como intérpretes dos eventos, os que escrevem emergem com olhos de coruja e descrevem as cicatrizes espirituais, sugerindo feridas complexas – é a minha avaliação de leitor de algumas obras (DM, Estórias de expurgação, 11 de Setembro de 2013).
I
Porque os filmes que nos eram oferecidos nos alegravam devido à abundância de cenas de aventura, sem detalhes sórdidos, nunca mais me afastei das telas, até estas se reduzirem a ecrãs, contra a minha vontade, como se por capricho do impiedoso fosse encerrado um capítulo de uma longa história de diversão.
Com o tempo, mais tarde, passei por duras e cruas realidades: filmes bastante violentos ou com inesperado, mesmo sendo de ficção, quando o bem não vence o mal ou o amar não se sobrepõe ao ódio. Paulatinamente, isso, se tornou menos estranho ao ambiente do cinema e de novelas. Desilusão. É filme ou novela de final infeliz.
O filme ou novela cujo último capítulo não é de felicidade, pode ser uma forma de mostrar o mundo real, aquele detestado pela gente do bem, mas aplaudido por quem se identifica com essa realidade. Afinal, à partida, criamos ou foram-nos colocados simultaneamente o bem e o mal, personificados em Deus e Diabo.
A reprodução de Deus e Diabo foi com recurso a diferença de cores. Paulina Chiziane contesta em Por quem vibram os tambores do além? Fê-lo antes no Brasil, indignando-se com o papel reservado a um grupo de actores nas novelas (brasileiras) e também criticando a missionação sugerida como a que exalta o verdadeiro Deus diante dos demónios, pensando-se no curandeiro.
II
Abaixo…! Lembra-me um outro tempo, esta expressão. O que nunca procurei saber é se isso foi suficiente para mandar abaixar… de facto. O discurso sangra. Uma metralhadora pode matar e quase todos encolhermos os ombros – aquela da morte de vatxope!
Outra, do mesmo calibre, quando disparada, causa protestos liderados por elites, algumas das quais se confundem com intenção, manifestada legalmente nas eleições de 1998, de presidir o Conselho Municipal de Maputo, e anunciada através das declarações segundo as quais “nós podemos tirar o Governo”.
O que não se sabe é se essa voz (esse nós), que ameaça o actual Governo, por causa dos raptos e tensão político-militar, nas urnas elegeu a actual liderança do país ou outras organizações e candidatos. Não tentou, antes, escolher outros políticos, sem sucesso, tal como quis governar a cidade de Maputo em 98, também sem resultados positivos?
Quem nos sugere os tumultos da África do norte, fá-lo sabendo do facto de tanto no Egipto como na Líbia, apesar do derrube dos governos, cidadãos egípcios e líbios continuarem a ser mortos? Quem contabilizou as vítimas da Primavera Árabe, para saber se seria a escolha acertada da maioria dos moçambicanos?
Desde a queda de Muammar Kadhafi e Hosni Mubarak, ambos em 2011, se não me engano, tanto na Líbia como no Egipto, as mortes continuam a ocorrer e o sangue é derramado até hoje que escrevo. A Tunísia vive também os seus problemas. Será isso o que queremos? Não seria melhor discutirmos de forma equidistante os problemas dos moçambicanos, para estimular uma solução pacífica da violência? A guerra de 16 passou por dois presidentes ou seja, a paz demorou 16 anos, por quê?
Há pessoas nascidas ontem, que querem confundir a todos, hoje, sobretudo os da nova geração. Queixa-se, alguém, de (des)informação, embora se socorra dela para, primeiro e isso é legítimo, manifestar a sua liberdade e, segundo, o que é mau, a fim de manipular mentes  menos capazes de interpretar os fenómenos.
Quantos jornais e televisões os moçambicanos tinham de 1975 a 1992-1994? O grau de liberdade de expressão e de imprensa em 1975, 1984 ou 1994 é o mesmo que em 2013?
Como profissional de imprensa, há pelo menos três décadas, noto grandes diferenças em termos de liberdades individuais e colectivas, e até liberdades económicas. Cada emissão de TV ou leitura de jornal, permite perceber isso, ainda que seja necessário aprofundá-las. E hoje até eu posso comprar camarão livremente e especular no preço, sem temer nada. Sempre foi assim? Todos deveriam saber que não!
III
Raptos. O “DM” de 25 de Fevereiro de 2012, em artigo de primeira página, noticia a ocorrência de crime bárbaro e chocante: duas crianças de oito e nove anos, ambas vítimas de sequestro simultâneo, foram assassinadas no bairro de Macurungo, na cidade da Beira. Os cadáveres foram enterrados dentro de uma casa em construção. Mortes muito violentas. A imprensa remou sozinha, comparando com o caso mais recente.
Nélson Gentino, de 26 anos, um dos três detidos em conexão com o assassinato dos menores, disse que o rapto visava exigir um resgate de 120 mil meticais. Qual foi o eco? A edição seguinte do “DM” traz-nos a reacção do ministro do Interior, falando que tanto aquele caso como outros, de rapto, seriam esclarecidos.
Nenhuma condenação ou manifestações como na semana passada, para não falar de partidos políticos passeando a sua classe (semana passada). Por quê? O crime não foi demasiadamente violento? Sem sombra de dúvidas, foi. Era o primeiro (assassinato)? Sim. Era o primeiro rapto? Não.
Que resposta? Não sei. Verdade, analisando a parte não nobre das manifestações lideradas pela LDH e Parlamento Juvenil, nas quais não se sabe porque a imprensa privilegiou António Muchanga (Renamo), Venâncio Mondlane (MDM), só para citar dois exemplos, para além da ameaças ou avisos de uma figura, cujo interesse na governação remonta a 1998, na minha opinião, assente nas autárquicas daquele ano, é que em Fevereiro de 2012, Afonso Dhlakama se mantinha em Nampula.
Os primeiros incidentes violentos relativos à fixação e atitude de Dhlakama em Nampula, ocorreram em Março seguinte, antecedidos de cárcere privado de suposto espião do SISE. Dhlakama vê em tudo espiões do SISE. Em Sadjunira deteve muitos e ninguém se manifestou, incluindo os que iam ao famoso Samatenge, de Gorongosa –Samatenge lembra-me um tal Nwadjikiza de Matutuine ou Catembe!
IV
Dhlakama até enganou a Igreja, não teme a Deus. Para Dhlakama voltar a ser muito violento contribuíram, em parte, vozes que lhe atribuíram, através da imprensa, razão: foi provocado, etecetra. O que fazia até ser “provocado”? Ninguém questionou como também não foi feito em relação à força armada que detém mesmo após o AGP.
Durante muito tempo, vozes da Igreja, em particular, sempre garantiram aos moçambicanos: os homens de Afonso Dhlakama, em Marínguè, são inofensivos e fazem parte da sua guarda pessoal prevista no AGP. Era verdade? Perante a realidade actual, conclui-se: o líder da Renamo foi bastante astuto, enganou-nos, incluindo a Igreja. É tarde para reverter o cenário (existência de homens armados da Renamo), mas não é impossível, passando pelo diálogo e por discutir a violência de forma equidistante e equilibrada.
Se os moçambicanos continuarem a ser mobilizados para ver e contestar o lado da intervenção do poder do Estado, excluindo ataques a alvos civis e militares protagonizados pela Renamo e, por essa via, legitimando-os, dificilmente a paz retornará. Podíamos estar divididos, mas menos na morte: não há disparos nobres, a morte deve ter o mesmo peso. Todos os que morrem são inocentes tanto nas forças do Estado como na Renamo. Poupem-nos das ambições de governar o país a todo o custo, convocando acontecimentos do norte de África!
Seja como for, não é proibir sonhar: há jovens escritores que gostariam de ganhar o Prémio Nobel da Literatura ou Prémio Camões. Mas, o escolhido, o laureado talvez nunca tivesse pensado nisso, e é justamente por isso que mereceu a distinção como reconhecimento do seu talento e trabalho desinteressado. A governação segue por mesmo caminho. Ambicionar o poder, nem sempre significa chegar ao trono.
Volto a dizer: se tiver dinheiro, posso comprar e vender camarão para especulação. Não terei problemas. Mas foi sempre assim? Lembremo-nos da conquista das liberdades para não retrocedermos. (X)





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