quinta-feira, 20 de junho de 2013

DEBATE COM (NOSSOS) ESTEREÓTIPOS

(1ª greve na Saúde foi em Janeiro de 1990 – há 23 anos)
Superando ou não outras especializações ou práticas profissionais, o jornalismo político está em florescimento, a par do debate político na comunicação social. É um exercício interessante da liberdade de expressão (de manifestação livre de opiniões, ideias e pensamentos), sem a qual seria outra coisa falar de democracia moderna. Mas pode estar repleto de estereótipos.
Mais do que isso, contribui para rever o que Leôncio Basbaum, em “História e Consciência Social”, caracteriza como sendo as reacções dos indivíduos perante problemas, reunindo os actores, por exemplo, em “grupos simples, grupos sociais ou primários e grupos psico-sociais”.
Algo interessante se passa em tais grupos: socorrendo-me de Basbaum, há aqueles que na fase de delírio, devido ao incumprimento de horário de machimbombo, assim que este meio de transporte chegasse à paragem, horas depois do previsto e apesar de esgotada a paciência, ocupariam os seus assentos. Com isso, esse grupo psico-social faria uma descarga emocional e voltaria ao estado normal, cada um na sua individualidade.
Mas outros, em situação semelhante, agrediriam o motorista, partiriam os vidros e provocariam outros danos ao autocarro, como forma de descarregar a sua emoção, numa manifesta ausência da consciência, de raciocínio puro e de julgamento frio.
Bausbaum considera, para os que espancariam o motorista e danificariam o autocarro, não haver “uma lógica racional em destruir” o machimbombo, senão a de uma “criança que bate na quina da mesa em que se feriu”. “O objectivo é apenas o que resultou da lei de acomodação: quebrando o ônibus (machimbombo) eliminam a carga emocional e voltam ao estado normal”.
As opiniões, em relação a tais actos, analisando a actual realidade, estariam divididas. Sendo um transporte público, haveria quem lhes desse razão, porque é dever do Estado assegurar esses serviços a tempo e horas. Outros, porém, condenariam a agressão ao motorista e danos ao autocarro, defendendo que nenhuma das reacções se justifica, apelando ao bom senso.
Se bem que estaremos até ao fim dos dias de cada um na terra com reacções comedidas e de delírio, destacando-se o facto de o delírio ser a característica da actuação das multidões, com o desaparecimento do raciocínio (para dar lugar ao delírio) – e é por isso mesmo que até temos linchamentos – em que ninguém, no caso de autocarro, quererá saber os porquês do atraso, se houve avaria ou não, se ocorreu acidente e outros problemas para que não fosse respeitado o horário, prestando atenção aos nossos debates e a forma como os acontecimentos são discutidos e analisados, há aparentemente nisso um défice de equilíbrio, com alguma amnésia pelo meio sobre factos.
Se a greve liderada pela AMM e CPSU, suspensa sexta-feira e sábado, fosse um exemplo, seria: por um lado, um grupo que aceita que o Governo não tenha fundos para satisfazer as reivindicações dos médicos nos moldes exigidos e que o problema de salário não afecta apenas os médicos, mas outro que nega todos os argumentos e considera faltar vontade (política), importando-se ou não com os demais profissionais ao serviço do Estado.
Quando o Governo afirma que o orçamento da Saúde nos últimos anos tem estado a subir, observando ser importante referir que alguma ajuda externa já não está a cair nos seus cofres e por isso mobiliza recursos internos, há um grupo que admite tal facto, mas outro garante que o orçamento tem estado a baixar – são estatísticas desencontradas e desequilibradas, completamente com resultados opostos, talvez de fontes diferentes.
Este exemplo demonstra, só por si, que há défice de equilíbrio. As informações que circulam tendem a não ter nenhum ponto de equilíbrio e disso resulta uma escolha de cada um, se acredita na fiabilidade desta ou daquela fonte. É nocivo porque as consequências são graves, provocam o exacerbar dos ânimos e peca por mostrar realidades antigas como casos ímpares no contexto social, económico e político de  Moçambique, que nunca antes aconteceram, falseando-se de algum modo a história.
Talvez ocorra o que um porta-voz de uma organização política disse, certa vez, afirmando que omitir não é mentir, pois, em defesa da imagem da sua organização, pode fazer de contas que determinados factos não aconteceram, reportando os mais convenientes. Que dizer, deste pronunciamento!
Quero acreditar que entre moçambicanos, e estrangeiros, a greve de Janeiro deste ano foi vista como a primeira na história da Saúde. Mas, se recuarmos no tempo, aproximando-nos das primeiras greves, período em que até jornalistas do actual sector público foram grevistas, podemos encontrar elementos surpreendentes.
O Ministério da Saúde já enfrentou greves e conheço funcionários públicos que depois disso não mais voltaram a ser, por exemplo, enfermeiros, embora tivesse ficado nessa altura com a impressão de terem abandonado a Saúde por vontade própria.
O que tinha acontecido nesse período? É uma questão importante porque, de contrário, cimentaremos ideias que podem não constituir à verdade sobre a actual realidade moçambicana e, como sempre, o passado será convocado como um dos períodos áureos da nossa história e sem igual – não se pretende dizer que estamos bem, mas, provavelmente, que “estamos a viver mesmo assim”, como canta uma banda angolana.
Relata-nos o “Diário de Moçambique” de Janeiro de 1990, que uma grave dos trabalhadores da Saúde teve início no Hospital Central de Maputo no dia 8 (de Janeiro). Era ministro Leonardo Simão – de propósito não me vou referir a outras figuras do Governo dessa época, por achar escusado. Simão é citado a afirmar: “Ninguém pode dar o que não tem”. ( 23 anos depois, o que se diz?) Ele respondia aos grevistas e disse mais, citado na edição de 18 de Janeiro:
Há casos de reivindicações sobre regalias não previstas na lei, que foram abolidas ou contrariam a legislação em vigor. Por isso, a sua satisfação não é possível, devido sobretudo ao empobrecimento económico em que o país se encontra mergulhado”.
O ministro, mesmo assim, garantiu que seriam estudadas alternativas de aumento salarial, solucionados casos pendentes das carreiras profissionais e concluído o quadro do pessoal do Ministério da Saúde – conjecturando: de 1975-77 até Janeiro de 1990, a Saúde não tinha o quadro do pessoal completo.
Tal greve se repercutiu no Hospital Central da Beira (HCB) a partir de 16 de Janeiro de 1990. O “DM” relata nos dias posteriores que os enfermeiros básicos, que tinham enviado um caderno reivindicativo ao Ministério de Saúde em Dezembro de 1989, exigiam como salário mínimo 80 mil meticais, contra os 33 mil que recebiam, pagamento de bónus de antiguidade, remuneração de risco de vida, enfim, melhores condições salariais e de vida.
Se todos nos recordássemos desse historial e tivéssemos pontos de equilíbrio, as nossas discussões, reivindicações, atitudes seriam menos dolorosas e não correríamos o risco de branquear a história – o nosso passado foi de sofrimento também. O que se reivindica hoje, foi exigido, em parte, em 1990.
Mas passamos a vida a não encontrar um cruzamento para analisarmos os nossos problemas, de propósito ou não. E aí lamento porque no caso de nós jornalistas, não só temos a obrigação de conhecer a história de nossa profissão, mas também a do país.
Mas o que me preocupa mesmo, sublinho, é o défice de equilíbrio e alguma amnésia à mistura. Andamos nos extremos. É isso que nos leva a construir um vocabulário cheio de adjectivos para nos qualificarmos uns aos outros. E Mia Couta dizia: “A imagem que nós temos uns dos outros é feita muito de clichés (…)” 
(Só para se compreender o que aconteceu. Punha-se a Mia Couto, no Brasil, a pergunta: Quais sãos os maiores problemas de Moçambique hoje? Em resposta disse: “ Antes de responder à pergunta, eu vou dizer uma coisa. A imagem que nós temos uns dos outros é feito muito de clichés, de estereótipos”)   


 


Nenhum comentário:

Postar um comentário