quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

CARNAVAL DE QUELIMANE: O QUE NÃO SE DISSE


Carnaval de Quelimane:  não se disse, mas  indispensável !...

Leio um título de artigo jornalístico: “Autoridades angariam apoios no carnaval de Quelimane”, a favor das vítimas de chuvas. Concluo: é uma boa iniciativa, porque há muita gente a sofrer. Transcrevo a parte introdutória desse escrito publicado no dia 5 de Fevereiro de 2013:
A edição de carnaval 2013 abriu fim-de-semana, na capital provincial da Zambézia e as autoridades municipais estão a aproveitar o evento, para angariar recursos destinados a auxiliar mais de uma dezena e meia de famílias remetidas à penúria, nas recentes chuvas, precisando de assistência no único centro de acomodação criado na cidade de Quelimane”.
Transcrevo o terceiro parágrafo do artigo: “O município está a investir perto de um milhão de meticais na realização do evento e não obstante, não conseguiu reunir todas as seis bandas previstas para dinamizar o evento, conotado como imitação da cultura estrangeira”.
Aí, já tive dúvidas, se para angariação apoios às vítimas das chuvas o Conselho Municipal de Quelimane tinha que aplicar necessariamente cerca de um milhão de meticais, com recurso ao carnaval, ou deveria disponibilizar esse montante para auxílio directo a tais famílias.
Deixo em aberto, se o carnaval poderia ser adiado ou não privilegiar-se outra forma de mobilização de ajuda, das tantas que se revelaram de grande impacto no resto do país –  são discussões interessantes a da relação custo-benefício e de valorização da (nossa) cultura ou pessoas. Dependem do ângulo em que se analisam os assuntos e podem provocar paixões, como aconteceu não faz muito tempo, mas não vem ao caso!
Sobre as bandas, faz-se referência a uma possível ausência dos grupos locais  Sáldicos e Garimpeiros. “Este último é citado como tendo ignorado a festa, por exigência de tratamento especial nos honorários.
Não foram avançados os valores que os Garimpeiros teriam exigido, nem a proposta da edilidade, sabendo-se apenas que a sua ausência fragilizou a representação da cultura moçambicana, numa festa marcada por manifestações de dança e música, inspiradas em artistas brasileiros”.
Finalmente, leio num outro jornal, de 13 de Fevereiro: “O Carnaval edição 2013 foi assistido por uma grande moldura humana não só de Quelimane, como também de outras cidades do país e do estrangeiro. O contagiante ambiente de serpeantes danças, cor, luz e alegria a mistura com comes e bebes atraiu pessoas de Maputo, Beira, Nampula e Malawi”.
Continuando a leitura, vale a pena transcrever o trecho:O edil de Quelimane, Manuel de Araújo, disse por ocasião do encerramento da presente edição que com este gesto pretende-se mostrar ao mundo que Quelimane é de facto um pequeno Brasil quando se trata de carnaval”.
E, no discurso directo, De Araújo é citado: “Os brasileiros estarão aqui, dançando samba de lá e daqui numa miscelânea de músicas do mesmo tipo com sotaques diferentes; moçambicanos e brasileiros são povos com história colonial comum e poderão fortalecer as relações bilaterais na área de cultura e o carnaval será a porta de entrada”.
O edil de Quelimane prometeu mais ajuda aos grupos foliões dos bairros na próxima edição. Cada um dos vinte e oito grupos recebeu 15 mil meticais para custear as despesas decorrentes da sua participação e no próximo ano aquele valor será acrescido em mais 10 mil meticais” – fecho as minhas citações.
O que me inquieta? O facto de o carnaval de Quelimane – cujo edil disse ter permitido mostrar ao mundo que é, de facto, um pequeno Brasil quando se trata de carnaval –, ter ocorrido sob o lema “Carnaval Solidário”. Sublinho a ideia de se ter aplicado cerca de um milhão de meticais, com o fito de angariação de recursos para auxílio às vítimas das chuvas “no único centro de acomodação criado na cidade de Quelimane”.
O lema, aparentemente, acabou sendo ignorado porque não se aludiu aos ganhos daí obtidos a favor de vítimas das inundações. Esqueceu-se dessa parte, por conjectura,  ou a edilidade não disse nada, mas,  também, provavelmente, ninguém se lembrou de que se tratava de Carnaval Solidário.
Será que o ambiente “contagiante de serpeantes danças, cor, luz e alegria à mistura com comes e bebes”, que até atraiu gentes de Maputo, Beira, Nampula e Malawi, fez esquecer o moto do carnaval? É verdade que não sei quem se esqueceu disso, se o edil ou os cronistas ou todos os quelimanenses.  “Com música, comes e bebes as pessoas iam-se divertindo. Era o carnaval popular” – reza uma das crónicas.
Vá lá, 28 grupos receberam individualmente 15 mil meticais. Ao todo, os foliões ganharam 420 mil meticais no Carnaval Solidário. Quanto ganharam as vítimas das chuvas? – eis o que deveria ter sido dito (escrito), mas foi preterido, embora indispensável devido ao lema Carnaval Solidário.
Deixo de lado a expressão “povo chuabo”,  que me parece picante numa das crónicas,  por não ter compreendido o seu contexto, embora tenha dúvidas, se o carnaval,  que remonta a  1950,  era exclusivamente a “maior (festa) entre o povo chuabo”, por me parecer que há bastante tempo Quelimane se abriu ao mundo, incluindo a grupos de diversos cantos da Zambézia, Moçambique, África e Europa,  certamente não alheios a tais eventos culturais,  desde a época colonial. (X)



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