Vezes há, em que se torna difícil
discutir Afonso Dhlakama/Renamo na cena política moçambicana. Talvez até
dissesse: sempre é arriscado! “Eu
assessoro os meus assessores” – disse Dhlakama, numa das suas declarações,
faz tempo, deixando todo o mundo boquiaberto. A mais recente afirmação: “Eu não sou analfabeto”. E esta! Acaso,
alguém teria dito que ele não é letrado? Vimo-lo, em Outubro de 1992, a assinar
o AGP. Não é nenhum Lobengula: tem-se ideia das escolas frequentadas antes de
apostar em armas.
Se podem existir dúvidas sobre a sua
atitude, uma residiria em saber se deixou de ser rebelde ou não, se fosse o
caso. Só o caso de escolher ficar nas matas em vez da cidade, dá para uma
reflexão. E no dia em que ele decidir sair de Sadjunjira, tirar-se-á a ilação,
para os moçambicanos amantes da paz, do preço da repetida afirmação: “Dhlakama é livre de viver onde quiser”.
Essa liberdade está a custar sangue e dinheiro aos moçambicanos.
Ele afirmou não ser analfabeto, para dar
substância à sua vontade de inviabilizar as eleições de Novembro, alegando
inconstitucionalidade, ameaçando rejeitar os resultados das autárquicas e
revelando insatisfação pelo facto de o MDM estar disposto a participar na
votação, contra planos de boicote. Parecia zangado!
A novidade da declaração de não ser
analfabeto, se for, está na insinuação da veia de constitucionalista. O resto é
habitual: ataques verbais à Frelimo e ao MDM, incluindo a tendência de não
reconhecer a vitória dos adversários políticos. Desde 1994, custa ao líder da
Renamo reconhecer a derrota.
O debate público de ideias tem regras.
Uma assenta no resumo da tese do oponente. Outras são discutir com base em
factos e não recurso à emoção, entre tantas possíveis. Dhlakama não age com
emoção? Eis a questão. Mas convém observar que ser letrado não é, à partida,
versar em Constituição.
A
interpretação das leis tem dado muito pano para manga não só entre nós,
moçambicanos, mas também envolvendo outros doutores da lei pelo mundo fora. Os
médicos, engenheiros e tantos outros doutos precisam de advogados.
Não seriam a Renamo e Dhlakama duas
excepções! Sucede, porém, que se o líder da Renamo percebe da Constituição,
levanta várias questões: encabeça homens armados quer em Sadjunjira quer em
Marínguè e, provavelmente, em outras zonas do território moçambicano. É legal?
Esses ou outros (homens) mataram pessoas este ano e destruíram bens.
Qualquer constitucionalista saberia que
isso é contrário à lei. Complicadíssimo é mesmo compreender Afonso Dhlakama e a
Renamo. Querem socorrer-se da Constituição e outras leis, mas simultaneamente
não respeitam as leis e não querem que na discussão se usem instrumentos
legais. A Constituição só vale quando convém às suas figuras e organização? O
que está a acontecer em Moçambique?
Em parte, pessoas desavindas com outras,
mas representando um número pequeno em relação aos vinte e poucos milhões de
moçambicanos, atiçam o fogo ou por pura vingança pelas ambições não satisfeitas
ou simplesmente esperam tirar dividendos em caso de caos. E os porquês de
estarem desavindas, que se saiba publicamente, em alguns casos, parece coisa
pequena, como seria o facto de um alguém ter sido impedido, por um pequeno
grupo, de usar um trapo! Não é mesquinhez, olhando para as mortes de pessoas
nas estradas? Dhlakama nega sair de Sadjunjira porque, tal como disse, o
caminho está fechado.
Não explica, no entanto, como o seu
secretário-geral, Manuel Bissopo, sai e entra à semelhança de outros quadros da
Renamo, parte dos quais vive na cidade de Maputo, longe das ameaças de guerra.
Bissopo esteve na Beira no dia 4 de Outubro, com dísticos ameaçando não haver
eleições sem a Renamo.
Semana passada, o porta-voz da Renamo,
Fernando Mazanga, falou de homens e armas para defender o povo. O que se dizia,
antes, e importantes figuras religiosas, durante muito tempo, defenderem-no à
luz do AGP, é que tais homens (e eventualmente armas) constituíam a guarda de
Afonso Dhlakama. Mas, hoje, Mazanga surge com uma nova versão.
É mesmo difícil compreender a
organização de Dhlakama. Mesmo a explicação dada para o ataque ao posto
policial em Muxúnguè, no tal “desenrasquem-se” ordenado por Afonso Dhlakama,
não colhe. Se é guarda de Afonso Dhlakama, tem de estar a guarnecê-lo e não a
protagonizar ataques à mão armada, seja qual for o alvo. E falar em nome do
povo torna-se desprestigiante. Qual é o povo defendido, a ser morto? A não ser
que a Renamo soubesse distinguir, entre as suas vítimas, dois povos
moçambicanos.
Ninguém dá importância a Afonso
Dhlakama? Penso que tem sido acarinhado e tolerado. É membro do Conselho de
Estado, mas não quer saber deste órgão para nada. Quando convoca conferência de
imprensa em Sadjunjira, os jornalistas lá vão a correr.
O antigo Presidente da República até já
lhe propôs um salário/pensão, apesar de não participar na cerimónia de sua
investidura. Requereu propriedades para exploração de recursos minerais,
foram-lhe concedidos, e é o único, à margem da lei, com homens armados a
circular a seu bel-prazer.
Não se pretende dizer que tanto a Renamo
como o seu presidente não façam reivindicações, mas que, sim, não usem o “vale
tudo”, a exemplo de matar! E sobretudo o seu saber os torne politicamente
fortes e não façam o que, por provável falta de boa leitura política, ocorreu
depois da existência da coligação Renamo-União Eleitoral (RUE).
O que aconteceu com a RUE? Simplesmente,
a Renamo entendeu que o relativo sucesso obtido se devia unicamente à sua
imagem política e do seu líder. Não compreendeu o jogo de dar e receber na sua
reciprocidade plena. Hoje não governa em nenhum município e tem o mais reduzido
número de deputados na AR, desde as históricas eleições de 1994.
Se vingarem as autárquicas de 20 de
Novembro, não estará representado em nenhuma Assembleia Municipal. Falhas de
cálculo?! Dhlakama deveria consultar outros constitucionalistas. A Renamo
deveria consultar outros constitucionalistas, para se juntarem ao saber
constitucional do seu líder. E a via das leis é a melhor (e legal)
relativamente à armada.
“In” Diário de Moçambique, 16 de Outubro
de 2013
PS:
Jornalistas que estiveram com Dhlakama em
Sadjunjira, recordam-se da primeira justificação do líder da Renamo, para não
se encontrar com o Presidente da República? Que eles (os jornalistas) seriam os
primeiros a escrever que Afonso Dhlakama recebe dinheiro da Frelimo.
Por isso optou por
constituir a sua equipa para dialogar com o Governo.
Se os moçambicanos
adivinhassem teriam pedido, mas provavelmente sem sucesso, em nome da paz, que
os jornalistas não escrevessem que Dhlakama recebe dinheiro da Frelimo. Talvez
ninguém morresse ou seu sangue derramasse.
Mas ainda isso me
recorda uma entrevista que li, por acaso, atribuída a Ericino de Salema, em que
este perguntava a Dhlakama quanto recebe? Eis excertos dessa entrevista:
Dhlakama nega revelar quanto
ganha
Pergunta (P): A Renamo recebe 3.2 milhões de
meticais/mês e o estudo diz que a gestão financeira no seu partido é ultra-deficiente.
Já que estamos a falar de dinheiro, pode dizer quanto dinheiro recebe
mensalmente como presidente da Renamo?
Resposta (R): Eu não tenho salário.
P: O que tem, então?
R:Tenho um subsídio, que é aquilo que me
dão mensalmente para comer.
P:Pode dizer aos
moçambicanos qual é o seu subsídio mensal?
R: Não é preciso, porque não é salário;
se fosse um salário, eu podia dizer que eu tenho isto por mês.
P:Não acha que revelando
quanto tem por mês passaria a ideia de ser uma pessoa transparente?
R: Olha, a Renamo não é emprego.
P:Sim, mas o estudo faz
fortes críticas à gestão financeira dentro da Renamo...
R: A Renamo não é empresa para dizer que
paga-se “X”, paga-se “Y”; nós temos milhares, milhares de pessoas que sobrevivem através da Renamo. O que damos às pessoas
não é algo fixo. Varia.
P:Pode, sem citar nomes ou
posições, dizer qual é o subsídio mais alto na Renamo e qual é o mais baixo?
R:Isso não tem interesse.
P: De princípio, há eleições
gerais em 2009. Voltará a candidatar-se a PR pela Renamo?
R:Por que não? Mas isso vai depender do
meu partido. Nós vamos fazer o congresso. Sabe que nós adiámos o congresso que
estava planeado para este ano para o próximo ano. Vou-me candidatar a candidato
pelo partido e, se for eleito, vou concorrer a PR. Certamente que haverá outros
candidatos, pelo que tudo dependerá da vontade dos membros.
P:Já se candidatou a PR em
três eleições e parece que, de ano para ano, as chances de ganhar estão
a diminuir. Não acha que é chegado o momento de se candidatar também a deputado
da AR, talvez para
chefiar a bancada e controlar tudo por dentro, para que a caravana não lhe
passe ao lado?
R: Meu amigo, as suas perguntas parecem
ser uma investigação, mas eu, como sou democrata, vou responder-lhe. O
objectivo da Renamo não é só o Parlamento. O meu objectivo fundamental é de
colocar a Renamo no poder.
*Especial para o SAVANA
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