(…) Mas, quando
leio, sinto que a escrita sangra. Como intérpretes dos eventos, os que escrevem
emergem com olhos de coruja e descrevem as cicatrizes espirituais, sugerindo
feridas complexas – é a minha avaliação de leitor de algumas obras (DM, Estórias de expurgação, 11 de Setembro
de 2013).
I
Porque os filmes
que nos eram oferecidos nos alegravam devido à abundância de cenas de aventura,
sem detalhes sórdidos, nunca mais me afastei das telas, até estas se reduzirem
a ecrãs, contra a minha vontade, como se por capricho do impiedoso fosse
encerrado um capítulo de uma longa história de diversão.
Com o tempo,
mais tarde, passei por duras e cruas realidades: filmes bastante violentos ou
com inesperado, mesmo sendo de ficção, quando o bem não vence o mal ou o amar
não se sobrepõe ao ódio. Paulatinamente, isso, se tornou menos estranho ao
ambiente do cinema e de novelas. Desilusão. É filme ou novela de final infeliz.
O filme ou
novela cujo último capítulo não é de felicidade, pode ser uma forma de mostrar
o mundo real, aquele detestado pela gente do bem, mas aplaudido por quem se
identifica com essa realidade. Afinal, à partida, criamos ou foram-nos
colocados simultaneamente o bem e o mal, personificados em Deus e Diabo.
A reprodução de
Deus e Diabo foi com recurso a diferença de cores. Paulina Chiziane contesta em
Por quem vibram os tambores do além?
Fê-lo antes no Brasil, indignando-se com o papel reservado a um grupo de
actores nas novelas (brasileiras) e também criticando a missionação sugerida
como a que exalta o verdadeiro Deus diante dos demónios, pensando-se no
curandeiro.
II
Abaixo…! Lembra-me um outro tempo, esta
expressão. O que nunca procurei saber é se isso foi suficiente para mandar abaixar…
de facto. O discurso sangra. Uma metralhadora pode matar e quase todos
encolhermos os ombros – aquela da morte de vatxope!
Outra, do mesmo
calibre, quando disparada, causa protestos liderados por elites, algumas das
quais se confundem com intenção, manifestada legalmente nas eleições de 1998,
de presidir o Conselho Municipal de Maputo, e anunciada através das declarações
segundo as quais “nós podemos tirar o
Governo”.
O que não se
sabe é se essa voz (esse nós), que ameaça o actual Governo, por causa dos
raptos e tensão político-militar, nas urnas elegeu a actual liderança do país
ou outras organizações e candidatos. Não tentou, antes, escolher outros
políticos, sem sucesso, tal como quis governar a cidade de Maputo em 98, também
sem resultados positivos?
Quem nos sugere
os tumultos da África do norte, fá-lo sabendo do facto de tanto no Egipto como
na Líbia, apesar do derrube dos governos, cidadãos egípcios e líbios continuarem
a ser mortos? Quem contabilizou as vítimas da Primavera Árabe, para saber se
seria a escolha acertada da maioria dos moçambicanos?
Desde a queda de
Muammar Kadhafi e Hosni Mubarak, ambos em 2011, se não me engano, tanto na
Líbia como no Egipto, as mortes continuam a ocorrer e o sangue é derramado até
hoje que escrevo. A Tunísia vive também os seus problemas. Será isso o que
queremos? Não seria melhor discutirmos de forma equidistante os problemas dos
moçambicanos, para estimular uma solução pacífica da violência? A guerra de 16
passou por dois presidentes ou seja, a paz demorou 16 anos, por quê?
Há pessoas
nascidas ontem, que querem confundir a todos, hoje, sobretudo os da nova
geração. Queixa-se, alguém, de (des)informação, embora se socorra dela para,
primeiro e isso é legítimo, manifestar a sua liberdade e, segundo, o que é mau,
a fim de manipular mentes menos capazes
de interpretar os fenómenos.
Quantos jornais
e televisões os moçambicanos tinham de 1975 a 1992-1994? O grau de liberdade de
expressão e de imprensa em 1975, 1984 ou 1994 é o mesmo que em 2013?
Como
profissional de imprensa, há pelo menos três décadas, noto grandes diferenças
em termos de liberdades individuais e colectivas, e até liberdades económicas.
Cada emissão de TV ou leitura de jornal, permite perceber isso, ainda que seja
necessário aprofundá-las. E hoje até eu posso comprar camarão livremente e
especular no preço, sem temer nada. Sempre foi assim? Todos deveriam saber que
não!
III
Raptos. O “DM” de 25 de Fevereiro de 2012, em
artigo de primeira página, noticia a ocorrência de crime bárbaro e chocante:
duas crianças de oito e nove anos, ambas vítimas de sequestro simultâneo, foram
assassinadas no bairro de Macurungo, na cidade da Beira. Os cadáveres foram
enterrados dentro de uma casa em construção. Mortes muito violentas. A imprensa
remou sozinha, comparando com o caso mais recente.
Nélson Gentino,
de 26 anos, um dos três detidos em conexão com o assassinato dos menores, disse
que o rapto visava exigir um resgate de 120 mil meticais. Qual foi o eco? A
edição seguinte do “DM” traz-nos
a reacção do ministro do Interior, falando que tanto aquele caso como outros,
de rapto, seriam esclarecidos.
Nenhuma
condenação ou manifestações como na semana passada, para não falar de partidos
políticos passeando a sua classe (semana passada). Por quê? O crime não foi
demasiadamente violento? Sem sombra de dúvidas, foi. Era o primeiro
(assassinato)? Sim. Era o primeiro rapto? Não.
Que resposta?
Não sei. Verdade, analisando a parte não nobre das manifestações lideradas pela
LDH e Parlamento Juvenil, nas quais não se sabe porque a imprensa privilegiou
António Muchanga (Renamo), Venâncio Mondlane (MDM), só para citar dois
exemplos, para além da ameaças ou avisos de uma figura, cujo interesse na
governação remonta a 1998, na minha opinião, assente nas autárquicas daquele ano,
é que em Fevereiro de 2012, Afonso Dhlakama se mantinha em Nampula.
Os primeiros
incidentes violentos relativos à fixação e atitude de Dhlakama em Nampula,
ocorreram em Março seguinte, antecedidos de cárcere privado de suposto espião
do SISE. Dhlakama vê em tudo espiões do SISE. Em Sadjunira deteve muitos e ninguém se manifestou, incluindo
os que iam ao famoso Samatenge, de Gorongosa –Samatenge lembra-me um tal Nwadjikiza
de Matutuine ou Catembe!
IV
Dhlakama até
enganou a Igreja, não teme a Deus. Para Dhlakama voltar a ser muito violento
contribuíram, em parte, vozes que lhe atribuíram, através da imprensa, razão: foi provocado, etecetra. O que fazia até
ser “provocado”? Ninguém questionou
como também não foi feito em relação à força armada que detém mesmo após o AGP.
Durante muito
tempo, vozes da Igreja, em particular, sempre garantiram aos moçambicanos: os homens de Afonso Dhlakama, em Marínguè,
são inofensivos e fazem parte da sua guarda pessoal prevista no AGP. Era
verdade? Perante a realidade actual, conclui-se: o líder da Renamo foi bastante
astuto, enganou-nos, incluindo a Igreja. É tarde para reverter o cenário
(existência de homens armados da Renamo), mas não é impossível, passando pelo
diálogo e por discutir a violência de forma equidistante e equilibrada.
Se os
moçambicanos continuarem a ser mobilizados para ver e contestar o lado da intervenção
do poder do Estado, excluindo ataques a alvos civis e militares protagonizados
pela Renamo e, por essa via, legitimando-os, dificilmente a paz retornará. Podíamos
estar divididos, mas menos na morte: não há disparos nobres, a morte deve ter o
mesmo peso. Todos os que morrem são inocentes tanto nas forças do Estado como na
Renamo. Poupem-nos das ambições de governar o país a todo o custo, convocando
acontecimentos do norte de África!
Seja como for,
não é proibir sonhar: há jovens escritores que gostariam de ganhar o Prémio
Nobel da Literatura ou Prémio Camões. Mas, o escolhido, o laureado talvez nunca
tivesse pensado nisso, e é justamente por isso que mereceu a distinção como
reconhecimento do seu talento e trabalho desinteressado. A governação segue por
mesmo caminho. Ambicionar o poder, nem sempre significa chegar ao trono.
Volto a dizer:
se tiver dinheiro, posso comprar e vender camarão para especulação. Não terei problemas.
Mas foi sempre assim? Lembremo-nos da conquista das liberdades para não retrocedermos.
(X)
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