Carnaval de Quelimane: não se disse, mas indispensável !...
Leio
um título de artigo jornalístico: “Autoridades
angariam apoios no carnaval de Quelimane”, a favor das vítimas de chuvas.
Concluo: é uma boa iniciativa, porque há muita gente a sofrer. Transcrevo a
parte introdutória desse escrito publicado no dia 5 de Fevereiro de 2013:
“A edição de carnaval 2013 abriu
fim-de-semana, na capital provincial da Zambézia e as autoridades municipais
estão a aproveitar o evento, para angariar recursos destinados a auxiliar mais
de uma dezena e meia de famílias remetidas à penúria, nas recentes chuvas,
precisando de assistência no único centro de acomodação criado na cidade de
Quelimane”.
Transcrevo
o terceiro parágrafo do artigo: “O
município está a investir perto de um milhão de meticais na realização do
evento e não obstante, não conseguiu reunir todas as seis bandas previstas para
dinamizar o evento, conotado como imitação da cultura estrangeira”.
Aí,
já tive dúvidas, se para angariação apoios às vítimas das chuvas o Conselho
Municipal de Quelimane tinha que aplicar necessariamente cerca de um milhão de
meticais, com recurso ao carnaval, ou deveria disponibilizar esse montante para
auxílio directo a tais famílias.
Deixo
em aberto, se o carnaval poderia ser adiado ou não privilegiar-se outra forma
de mobilização de ajuda, das tantas que se revelaram de grande impacto no resto
do país – são discussões interessantes a
da relação custo-benefício e de valorização da (nossa) cultura ou pessoas.
Dependem do ângulo em que se analisam os assuntos e podem provocar paixões,
como aconteceu não faz muito tempo, mas não vem ao caso!
Sobre
as bandas, faz-se referência a uma possível ausência dos grupos locais Sáldicos e Garimpeiros. “Este
último é citado como tendo ignorado a festa, por exigência de tratamento
especial nos honorários.
Não
foram avançados os valores que os Garimpeiros teriam exigido, nem a proposta da
edilidade, sabendo-se apenas que a sua ausência fragilizou a representação da
cultura moçambicana, numa festa marcada por manifestações de dança e música,
inspiradas em artistas brasileiros”.
Finalmente,
leio num outro jornal, de 13 de Fevereiro: “O Carnaval edição 2013 foi assistido por uma grande
moldura humana não só de Quelimane, como também de outras cidades do país e do
estrangeiro. O contagiante ambiente de serpeantes danças, cor, luz e alegria a
mistura com comes e bebes atraiu pessoas de Maputo, Beira, Nampula e Malawi”.
Continuando
a leitura, vale a pena transcrever o trecho: “O edil
de Quelimane, Manuel de Araújo, disse por ocasião do encerramento da presente
edição que com este gesto pretende-se mostrar ao mundo que Quelimane é de facto
um pequeno Brasil quando se trata de carnaval”.
E, no discurso directo, De
Araújo é citado: “Os brasileiros estarão
aqui, dançando samba de lá e daqui numa miscelânea de músicas do mesmo tipo com
sotaques diferentes; moçambicanos e brasileiros são povos com história colonial
comum e poderão fortalecer as relações bilaterais na área de cultura e o
carnaval será a porta de entrada”.
“O edil de Quelimane prometeu mais ajuda aos grupos foliões dos bairros
na próxima edição. Cada um dos vinte e oito grupos recebeu 15 mil meticais para
custear as despesas decorrentes da sua participação e no próximo ano aquele
valor será acrescido em mais 10 mil meticais” – fecho as minhas citações.
O que me inquieta? O facto
de o carnaval de Quelimane – cujo edil disse ter permitido mostrar ao mundo que
é, de facto, um pequeno Brasil quando se trata de carnaval –, ter ocorrido sob
o lema “Carnaval Solidário”. Sublinho
a ideia de se ter aplicado cerca de um milhão de meticais, com o fito de
angariação de recursos para auxílio às vítimas das chuvas “no único centro de acomodação criado na cidade de Quelimane”.
O lema, aparentemente,
acabou sendo ignorado porque não se aludiu aos ganhos daí obtidos a favor de vítimas
das inundações. Esqueceu-se dessa parte, por conjectura, ou a edilidade não disse nada, mas, também, provavelmente, ninguém se lembrou de
que se tratava de Carnaval Solidário.
Será que o ambiente “contagiante de serpeantes danças, cor, luz e
alegria à mistura com comes e bebes”, que até atraiu gentes de Maputo,
Beira, Nampula e Malawi, fez esquecer o moto do carnaval? É verdade que não sei
quem se esqueceu disso, se o edil ou os cronistas ou todos os
quelimanenses. “Com música, comes e bebes as pessoas iam-se divertindo. Era o carnaval
popular” – reza uma das crónicas.
Vá lá, 28 grupos receberam
individualmente 15 mil meticais. Ao todo, os foliões ganharam 420 mil meticais
no Carnaval Solidário. Quanto ganharam as vítimas das chuvas? – eis o que deveria
ter sido dito (escrito), mas foi preterido, embora indispensável devido ao lema
Carnaval Solidário.
Deixo de lado a expressão “povo chuabo”, que me parece picante numa das crónicas, por não ter compreendido o seu contexto,
embora tenha dúvidas, se o carnaval, que
remonta a 1950, era exclusivamente a “maior (festa) entre o povo
chuabo”, por me parecer que há bastante tempo Quelimane se abriu ao mundo,
incluindo a grupos de diversos cantos da Zambézia, Moçambique, África e Europa,
certamente não alheios a tais eventos
culturais, desde a época colonial. (X)
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