(1ª
greve na Saúde foi em Janeiro de 1990 – há 23 anos)
Superando
ou não outras especializações ou práticas profissionais, o jornalismo político
está em florescimento, a par do debate político na comunicação social. É um
exercício interessante da liberdade de expressão (de manifestação livre de
opiniões, ideias e pensamentos), sem a qual seria outra coisa falar de
democracia moderna. Mas pode estar repleto de estereótipos.
Mais do que isso, contribui para rever o que Leôncio
Basbaum, em “História e
Consciência Social”, caracteriza como sendo as reacções dos indivíduos
perante problemas, reunindo os actores, por exemplo, em “grupos simples, grupos sociais ou primários e grupos psico-sociais”.
Algo interessante se passa em
tais grupos: socorrendo-me de Basbaum, há aqueles que na fase de delírio,
devido ao incumprimento de horário de machimbombo, assim que este meio de
transporte chegasse à paragem, horas depois do previsto e apesar de esgotada a
paciência, ocupariam os seus assentos. Com isso, esse grupo psico-social faria
uma descarga emocional e voltaria ao estado normal, cada um na sua
individualidade.
Mas outros, em situação
semelhante, agrediriam o motorista, partiriam os vidros e provocariam outros
danos ao autocarro, como forma de descarregar a sua emoção, numa manifesta
ausência da consciência, de raciocínio puro e de julgamento frio.
Bausbaum
considera, para os que espancariam o motorista e danificariam o autocarro, não
haver “uma lógica racional em destruir”
o machimbombo, senão a de uma “criança
que bate na quina da mesa em que se feriu”. “O objectivo é apenas o que resultou da lei de acomodação: quebrando o
ônibus (machimbombo) eliminam a carga emocional e voltam ao estado normal”.
As
opiniões, em relação a tais actos, analisando a actual realidade, estariam
divididas. Sendo um transporte público, haveria quem lhes desse razão, porque é
dever do Estado assegurar esses serviços a tempo e horas. Outros, porém,
condenariam a agressão ao motorista e danos ao autocarro, defendendo que
nenhuma das reacções se justifica, apelando ao bom senso.
Se
bem que estaremos até ao fim dos dias de cada um na terra com reacções
comedidas e de delírio, destacando-se o facto de o delírio ser a característica
da actuação das multidões, com o desaparecimento do raciocínio (para dar lugar
ao delírio) – e é por isso mesmo que até temos linchamentos – em que ninguém,
no caso de autocarro, quererá saber os porquês do atraso, se houve avaria ou
não, se ocorreu acidente e outros problemas para que não fosse respeitado o
horário, prestando atenção aos nossos debates e a forma como os acontecimentos são
discutidos e analisados, há aparentemente nisso um défice de equilíbrio, com
alguma amnésia pelo meio sobre factos.
Se
a greve liderada pela AMM e CPSU, suspensa sexta-feira e sábado, fosse um
exemplo, seria: por um lado, um grupo que aceita que o Governo não tenha fundos
para satisfazer as reivindicações dos médicos nos moldes exigidos e que o
problema de salário não afecta apenas os médicos, mas outro que nega todos os
argumentos e considera faltar vontade (política), importando-se ou não com os
demais profissionais ao serviço do Estado.
Quando
o Governo afirma que o orçamento da Saúde nos últimos anos tem estado a subir,
observando ser importante referir que alguma ajuda externa já não está a cair
nos seus cofres e por isso mobiliza recursos internos, há um grupo que admite
tal facto, mas outro garante que o orçamento tem estado a baixar – são
estatísticas desencontradas e desequilibradas, completamente com resultados
opostos, talvez de fontes diferentes.
Este
exemplo demonstra, só por si, que há défice de equilíbrio. As informações que
circulam tendem a não ter nenhum ponto de equilíbrio e disso resulta uma
escolha de cada um, se acredita na fiabilidade desta ou daquela fonte. É nocivo
porque as consequências são graves, provocam o exacerbar dos ânimos e peca por
mostrar realidades antigas como casos ímpares no contexto social, económico e
político de Moçambique, que nunca antes
aconteceram, falseando-se de algum modo a história.
Talvez
ocorra o que um porta-voz de uma organização política disse, certa vez,
afirmando que omitir não é mentir, pois, em defesa da imagem da sua organização,
pode fazer de contas que determinados factos não aconteceram, reportando os
mais convenientes. Que dizer, deste pronunciamento!
Quero
acreditar que entre moçambicanos, e estrangeiros, a greve de Janeiro deste ano
foi vista como a primeira na história da Saúde. Mas, se recuarmos no tempo, aproximando-nos
das primeiras greves, período em que até jornalistas do actual sector público
foram grevistas, podemos encontrar elementos surpreendentes.
O
Ministério da Saúde já enfrentou greves e conheço funcionários públicos que
depois disso não mais voltaram a ser, por exemplo, enfermeiros, embora tivesse
ficado nessa altura com a impressão de terem abandonado a Saúde por vontade
própria.
O
que tinha acontecido nesse período? É uma questão importante porque, de
contrário, cimentaremos ideias que podem não constituir à verdade sobre a
actual realidade moçambicana e, como sempre, o passado será convocado como um
dos períodos áureos da nossa história e sem igual – não se pretende dizer que
estamos bem, mas, provavelmente, que “estamos
a viver mesmo assim”, como canta uma banda angolana.
Relata-nos
o “Diário de Moçambique” de Janeiro
de 1990, que uma grave dos trabalhadores da Saúde teve início no Hospital
Central de Maputo no dia 8 (de Janeiro). Era ministro Leonardo Simão – de
propósito não me vou referir a outras figuras do Governo dessa época, por achar
escusado. Simão é citado a afirmar: “Ninguém
pode dar o que não tem”. ( 23 anos depois, o que se diz?) Ele respondia aos
grevistas e disse mais, citado na edição de 18 de Janeiro:
“Há casos de reivindicações sobre regalias
não previstas na lei, que foram abolidas ou contrariam a legislação em vigor.
Por isso, a sua satisfação não é possível, devido sobretudo ao empobrecimento
económico em que o país se encontra mergulhado”.
O
ministro, mesmo assim, garantiu que seriam estudadas alternativas de aumento
salarial, solucionados casos pendentes das carreiras profissionais e concluído
o quadro do pessoal do Ministério da Saúde – conjecturando: de 1975-77 até
Janeiro de 1990, a Saúde não tinha o quadro do pessoal completo.
Tal
greve se repercutiu no Hospital Central da Beira (HCB) a partir de 16 de
Janeiro de 1990. O “DM” relata nos
dias posteriores que os enfermeiros básicos, que tinham enviado um caderno
reivindicativo ao Ministério de Saúde em Dezembro de 1989, exigiam como salário
mínimo 80 mil meticais, contra os 33 mil que recebiam, pagamento de bónus de
antiguidade, remuneração de risco de vida, enfim, melhores condições salariais
e de vida.
Se
todos nos recordássemos desse historial e tivéssemos pontos de equilíbrio, as
nossas discussões, reivindicações, atitudes seriam menos dolorosas e não
correríamos o risco de branquear a história – o nosso passado foi de sofrimento
também. O que se reivindica hoje, foi exigido, em parte, em 1990.
Mas
passamos a vida a não encontrar um cruzamento para analisarmos os nossos problemas,
de propósito ou não. E aí lamento porque no caso de nós jornalistas, não só
temos a obrigação de conhecer a história de nossa profissão, mas também a do
país.
Mas
o que me preocupa mesmo, sublinho, é o défice de equilíbrio e alguma amnésia à
mistura. Andamos nos extremos. É isso que nos leva a construir um vocabulário
cheio de adjectivos para nos qualificarmos uns aos outros. E Mia Couta dizia: “A imagem que nós temos uns dos outros é feita muito
de clichés (…)”
(Só para se compreender o que aconteceu.
Punha-se a Mia Couto, no Brasil, a pergunta: Quais sãos os maiores problemas de
Moçambique hoje? Em resposta disse: “ Antes
de responder à pergunta, eu vou dizer uma coisa. A imagem que nós temos uns dos
outros é feito muito de clichés, de estereótipos”)
Nenhum comentário:
Postar um comentário