quinta-feira, 14 de novembro de 2019

DIABÓLICO NÃO PERCEBER CRISE NO SEIO DA RENAMO


Ataques armados no centro: da urgência
de editorais e mais pesquisa na imprensa?
 [Jacaré do Ossufo Momade: recomenda-se D. Jaime, em 2016, à Visão!]

“Diabólico é não percebermos os efeitos das crises no seio da Renamo, desde a era de Afonso Dhlakama”.

I
Manteigas Gabriel apela às FDS para matarem Mariano Nhongo?” Conheci-o como José Manteigas Gabriel, nome com que se apresentou numa conferência de imprensa na cidade de Quelimane, nos finais da década de 1990. Custa-me trata-lo doutra maneira. Mas estou a acostumar-me e, por isso, escrevi Manteigas Gabriel.
O importante é que a frase interrogativa entre parênteses, foi o ensaio do título para este artigo. Preferi o presente à primeira prova: pereceu-me, aquele, menos amistoso, de revolta, embora pudesse reflectir o meu estado de espírito, perante mortes de civis e de polícias, da forma mais brutal e absurda.
(…)
Achei interessante um artigo, de uma publicação que se reputa a prática de jornalismo assente na investigação: “Sem nenhum ‘atacante’ e muito menos provas factuais apresentadas publicamente, como tem sido hábito, a Polícia da República de Moçambique (PRM) voltou a responsabilizar os homens armados do maior partido da oposição, Renamo, de serem os autores dos ataques que se têm registado na zona centro do país, em particular no distrito de Gondola, província de Manica”.
Os excertos constam de um artigo publicado no dia 8 de Novembro corrente. Não cito o órgão, porque é de pouco interesse o fazer: está abaixo do que julgo importante discutir, tendo em conta o título e o ensaio.
A fim de facilitar a interpretação resumo: o autor da prosa e o próprio órgão que a publica, não aceitam que os ataques sejam da autoria dos homens da Renamo, contrariamente ao que a Polícia declara publicamente. Contestam o posicionamento das forças do Ministério do Interior. Por quê? O texto exige que a PRM apresente um atacante da Renamo e provas factuais publicamente.
O jornalismo recomenda isso, é verdade. Mas torna-se intrigante quando José Manteigas Gabriel, porta-voz da Renamo, nega que a violência armada esteja associada ao partido Renamo e a publicação não exige nenhuma prova, mesmo após a declaração da chefe da bancada, Ivone Soares, na Assembleia da República:
‘ [A Junta Militar da Renamo] É assunto de dentro de casa. É assunto da nossa família. São os nossos parentes, nossos guerrilheiros e a Renamo, como família, saberá resolver os problemas da sua própria família’.
Esta afirmação, pública, nada indicia? Estranho! A publicação não se preocupa com as declarações de Manteigas Gabriel e de Ossufo Momade, sobre a existência de tais homens, mas sim com provas factuais que devem ser apresentadas pela Polícia. A Polícia, no entanto, não quer saber se os atacantes estão ligados a Mariano Nhongo ou a Ossufo Momade. Privilegia aspectos virados para a segurança dos moçambicanos e a liberdade de se deslocarem para onde quiserem em Moçambique, tendo como referência que existe um partido armado no país.
Curioso e citando a mesma publicação, que se apresenta como cultora de informação rigorosa, na edição de 11 de Novembro, Ossufo Momade disse [sábado], em Quelimane: ‘Se o Estado moçambicano deixa que o jacaré cresça, já não é da responsabilidade de Ossufo Momabe’. Acrescentando: ‘O Estado moçambicano tem os seus serviços’ “ e a responsabilidade de esclarecer as questões de segurança”.
A PRM quer, sim, inversamente ao discurso, que a Renamo, como partido político, trate dos seus homens armados, fazendo jus à declaração, pública, da parlamentar Ivone Soares: ‘São os nossos parentes, nossos guerrilheiros e a Renamo, como família, saberá resolver os problemas da sua própria família’. Vejo a razoabilidade do posicionamento da Polícia nesse sentido, parecendo em vão a discussão sobre provas factuais.
Um dos factos: existe a Junta Militar da Renamo [não escrevo a autoproclamada Junta Militar da Renamo porque, só para lembrar, em 2013, quando reiniciaram os ataques a civis, Ossufo Momade falava de desmobilizados liderados por Hermínio Morais “General Bobo”; a imprensa, de homens armados da Renamo; e, por fim, ala Militar da Renamo – não será que a ala militar se autoproclamou e a comunicação social, de forma simpática, aceitou todas as designações escolhidas pela Renamo de Dhlakama?].
José Manteigas Gabriel declara e a imprensa aceita a sua justificação, de que os ataques não têm nada a ver com a Renamo, porque “os homens da Renamo estão acantonados na Gorongosa, à espera da reintegração”. Li, até, que há homens que entregaram armas no Dondo e em Nhamatanda: Gorongosa incorpora geograficamente Dondo e Nhamatanda? Falso.
Outros homens da Renamo disseram à imprensa que estavam estacionados em Muxúnguè, à espera do processo de DDR, tendo garantido que não fariam ataques armados. O deputado José Manteigas Gabriel está a dizer-nos que Muxúnguè não é Chibabava, mas sim Gorongosa?
Quem tem provas factuais das declarações de Manteigas Gabriel e de Ossufo Momade? Porque é que não se exigem provas factuais aos dois, considerando as declarações de Ivone Soares e as notícias sobre entrega de armas em Nhamatanda e no Dondo, e, ainda, as informações de Muxúnguè? Talvez falta de rigor.
Quem perguntou a Ossufo Momade, acerca do dono do jacaré que está a crescer? Ninguém. Qual é o órgão que exigiu provas da existência do jacaré, fora da Renamo? Não se conhece. Jacaré quer dizer Junta Militar da Renamo? Momade deixou claro isso, quando se queixou de o Estado não ter usado a lei contra Nhngo quando o ameaçou de morte.
Ele esquece-se que ao falar de novo conflito, se forem validados os resultados eleitorais, está a ameaçar os moçambicanos e se fosse questão de uso da lei, que a quer accionada contra Nhongo, também seria contra ele. Se Nhongo ameaçou de morte Ossufo Momade, uma pessoa, quando Momade fala de novo conflito armado, ameaça a todos os moçambicanos.

II
José Manteigas Gabrel faz uma declaração grave: ‘Se as Forças de Defesa e Segurança são incapazes de debelar este grupo [‘da autoproclamada Junta Militar da Renamo’], então não culpem a Renamo pelos ataques’. Ivone Soares, porém, disse na Assembleia da República que a Junta Militar é da Renamo. Se essa junta é o jacaré, então, tem dono, que o deve abater, e ponto final!
Ossufo Momade, sintonizado com Manteigas Gabriel, fala do “jacaré que o Estado” não deve deixar crescer e exime-se de culpas, mas Mariano Nhongo, quando apareceu publicamente, disse que a sua atitude era por não reconhecimento do actual presidente da Renamo, eleito em Gorongosa, no início deste ano.
Ossumo Momade e José Manteigas Gabriel querem que as forças do Estado matem Mariano Nhongo e o seu grupo. Não percebo outra coisa das declarações de ambos. A sociedade moçambicana lembra-se do que se dizia sobre Afonso Dhlakama perante actos de violência?
Vale recordar, por isso, que no reinício dos ataques armados, houve a tendência de que as FDS estavam mal treinadas. Di-lo Afonso Dhlakama e a imprensa aceitou, sem questionar essa versão. Quando as FDS atacavam [em contra-ataque] os homens da Renamo, a imprensa veiculava outros supostos sentimentos: a pretensão dos inimigos da paz e democracia era de assassinar Dhlakama. Falava-se da “solução angolana”. Dom Jaime Gonçalves chegou a acusar Filipe Nyusi de ter ido a Angola, para aprender como matar Dhlakama.

Citado pela “Visão”, Dom Jaime Gonçalves declarou: ‘Foi para mim uma humilhação terrível o Presidente de Moçambique [Filipe Nyusi] ter ido a Angola aprender como mataram Savimbi’. Quem exigiu provas factuais a Jaime Gonçalves, de que Nyusi tinha ido aprender como foi morto Savimbi para fazer o mesmo com Dhlakama?

O artigo foi escrito pela agência Lusa e a publicação “Visão” fez a sua divulgação na edição de 19 de Fevereiro de 2016. Assina o texto, Pedro Silva Bandeira, da agência Lusa, referindo:

Numa rara entrevista, D. Jaime Gonçalves, arcebispo emérito da Beira, defende que é tempo de a Igreja Católica se envolver outra vez no processo político moçambicano e travar um suposto plano para eliminar o líder da oposição, Afonso Dhlakama”.

Uma tentativa de interpretação das declarações de Dom Jaime Gonçalves, em relação ao finando Dhlakama, analisando, por equiparação, as declarações de Manteigas Gabriel, segundo as quais ‘ Se as Forças de Defesa e Segurança são incapazes de debelar este grupo [da autoproclamada Junta Militar da Renamo], então não culpem a Renamo pelos ataques’, e de Ossufo Momade, de Estado não deixar ‘que o jacaré cresça’, leva à seguinte conclusão:
Ossufo Momade, presidente da Renamo e o porta-voz do partido, José Manteigas Gabriel, querem que as forças do Estado matem o líder da Junta Militar da Renamo, Mariano Nhongo, e os seus apoiantes. A acontecer isso, depois mudariam de discurso e passariam a falar de pessoas que não querem a paz. Associado a isso, pode haver recrudescimento de mortes de civis.
A imprensa, podendo não ser no seu tudo, por falta de análise e devido a outros interesses, dos quais não se excluiu a forma como olha para o Governo e para o próprio partido Frelimo, aparentemente apoia as pobres [não gosto de adjectivos, mas em determinados momentos são inevitáveis] justificações de Ossufo Momade e de José Manteigas Gabriel sobre ataques armados no centro do país [áreas de Manica e Sofala, na N6 e N1].
Escrevi várias vezes, que Dom Jaime Gonçalves tinha ressentimentos com a Frelimo. Mas, acima de tudo, nem sempre manifestou a lucidez necessária, isso agravado pelas naturais dificuldades de pensar, de forma isenta, em tempo de conflito. De manhã – passe a expressão – podia declarar que a Renamo e Afonso Dhlakama não têm razão, mas ao cair da tarde mudava de discurso.
Vele o seguinte (primeiro exemplo): “Dom Jaime considera de ‘ilegítimas’ as reivindicações da Renamo em renegociar o AGP por se tratar de um grupo de cidadãos e não uma Nação. Diz não haver espaço para renegociação do AGP” (Savana, de 7 de Outubro de 2011, p.2). “Dom Jaime aconselha Renamo a ir à constituição da República” (p.1). Dhlakama se zangou: “Não preciso de religiosos para perceber o valor da Paz” (p.1).
Outro dado (segundo), em entrevista à “Visão”, em 2016. ‘Foi para mim uma humilhação terrível o nosso Presidente da República, o máximo magistrado da nação, ter ido a Angola aprender como mataram Savimbi [referência a uma controversa declaração do actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, proferida em Novembro, em Luanda, quando apontou Angola como um exemplo de um país onde a oposição não anda armada]”.
A compreensão do último exemplo, passa por ler toda a entrevista concedida à “Visão”, que não a transcrevo. Não saberia dizer se declarar que Angola é exemplo de um país onde a oposição não anda armada é controverso ou não. Mas posso perguntar: é polémico dizer que em Portugal, São Tomé e Príncipe, Brasil, África do Sul, Namíbia, Zimbabwe [Zimbabwe é exemplo de crises], Guiné-Bissau [com eternas crises] e outros países os partidos não andam armados? Não percebo.
Por tudo isso, sinto-me impelido a repetir o que Anabela Gradim escreveu no manual de jornalismo:  “O jornal não só serve para relatar de forma isenta factos e acontecimentos, pode e deve pronunciar sobre esses factos, tentando extrair deles o seu real significado, as relações que estabelecem com outros acontecimentos, e as consequências que poderão vir a ter na vida das pessoas”.

Pano de fundo: há ou não relação ataques armados a civis no centro de Moçambique, com a crise no seio Renamo chefiada por Ossufo Momade e a existência de homens por desmobilizar, reintegrar e desarmar, incluindo os da Junta Militar liderada por Mariano Nhongo? As leituras que foço mostram que sim, há relação.

Estas questões são mais importantes do que aceitar ou negar as versões de Ossufo Momade/José Manteigas Gabriel, PRM ou Mariano Nhongo. Há que extrair o real significado da crise na Renamo e relacioná-la com outros acontecimentos, cujas consequências são evidentes: morte de civis e danificação de bens de privados, mortes de polícias e destruição de bens do Estado. Parece estar claro!

Pode ser que, novamente, a Igreja, tenha de se envolver no processo político moçambicano, mas, desta vez, para aproximar Ossufo Momade e Mariano Nhongo, salvo se concordar com a ideia do deputado da Renamo, de o Estado matar Nhongo.

Desde 2012, quando do caso da Rua dos Sem Medo, o que percebo é que a imprensa enfrenta imensas dificuldades na elaboração de editorais, sobretudo, e de outras opiniões, de modo frio, para orientar a sociedade.

Quando os leitores “esperam” que os jornais emitam “opiniões e orientações rigorosas e  fundamentais”, sobre o tipo de violência que se repete no centro de Moçambique, são desorientados, através de discursos difusos, de questionamentos parciais, como fiz questão de exemplificar. O que é isso de a imprensa aceitar, passivamente, que Ossufo Momade fale do “jacaré” que está a crescer. Qual é o habitat do jacaré? Quem é o dono do jacaré?

O presidente da Renamo deveria ser confrontado, no sentido de explicar quem é e onde está o jacaré, se não for da Renamo? Mas o que se lê são os eternos ataques à Polícia, mesmo quando esta não tem culpa no cartório. É lícito a imprensa responsabilizar as Forças de Defesa e Segurança por desavenças, públicas, da Renamo, de que resultam ataques a civis? O pior é que quando as forças do Estado agirem, a imprensa voltar-se-á contra elas.

Uma explicação parcial revela que há não poucos profissionais que não se lembram do que escreveram sobre vários assuntos e, em particular, acerca da violência envolvendo a Renamo. Até não sabem quais foram os resultados das eleições de 2009 para as comparar com as de 2019. Não estou a falar de erros, pois,Errare humanum est, perseverare autem diabolicum [Errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico].

É diabólico não perceber que as crises no seio da Renamo asfixiam a paz – ainda que existam tantos e tantos problemas, quer gostemos quer não gostemos do Governo, da Frelimo e, por fim, de Moçambique. Não se pode andar a brincar às falsidades do José Manteigas Gabriel, do Ossumo Momade e seus jacarés, porque, dessa maneira, adiamos tudo e semeamos mortes e destruições. Não é aceitável nem razoável a “nossa” cegueira.


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