Ataques armados no centro: da
urgência
de editorais e mais pesquisa na
imprensa?
[Jacaré do Ossufo Momade:
recomenda-se D. Jaime, em 2016, à Visão!]
“Diabólico é
não percebermos os efeitos das crises no seio da Renamo, desde a era de Afonso
Dhlakama”.
I
“Manteigas Gabriel apela às FDS para matarem
Mariano Nhongo?” Conheci-o como José Manteigas Gabriel, nome com que se
apresentou numa conferência de imprensa na cidade de Quelimane, nos finais da
década de 1990. Custa-me trata-lo doutra maneira. Mas estou a acostumar-me e,
por isso, escrevi Manteigas Gabriel.
O importante
é que a frase interrogativa entre parênteses, foi o ensaio do título para este
artigo. Preferi o presente à primeira prova: pereceu-me, aquele, menos
amistoso, de revolta, embora pudesse reflectir o meu estado de espírito,
perante mortes de civis e de polícias, da forma mais brutal e absurda.
(…)
Achei
interessante um artigo, de uma publicação que se reputa a prática de jornalismo
assente na investigação: “Sem nenhum
‘atacante’ e muito menos provas factuais apresentadas publicamente, como tem
sido hábito, a Polícia da República de Moçambique (PRM) voltou a
responsabilizar os homens armados do maior partido da oposição, Renamo, de
serem os autores dos ataques que se têm registado na zona centro do país, em
particular no distrito de Gondola, província de Manica”.
Os excertos
constam de um artigo publicado no dia 8 de Novembro corrente. Não cito o órgão,
porque é de pouco interesse o fazer: está abaixo do que julgo importante discutir,
tendo em conta o título e o ensaio.
A fim de
facilitar a interpretação resumo: o autor da prosa e o próprio órgão que a
publica, não aceitam que os ataques sejam da autoria dos homens da Renamo,
contrariamente ao que a Polícia declara publicamente. Contestam o posicionamento
das forças do Ministério do Interior. Por quê? O texto exige que a PRM
apresente um atacante da Renamo e provas factuais publicamente.
O jornalismo
recomenda isso, é verdade. Mas torna-se intrigante quando José Manteigas
Gabriel, porta-voz da Renamo, nega que a violência armada esteja associada ao
partido Renamo e a publicação não exige nenhuma prova, mesmo após a declaração
da chefe da bancada, Ivone Soares, na Assembleia da República:
‘ [A Junta Militar da Renamo] É assunto de dentro de casa. É assunto da
nossa família. São os nossos parentes, nossos guerrilheiros e a Renamo, como
família, saberá resolver os problemas da sua própria família’.
Esta
afirmação, pública, nada indicia? Estranho! A publicação não se preocupa com as
declarações de Manteigas Gabriel e de Ossufo Momade, sobre a existência de tais
homens, mas sim com provas factuais que devem ser apresentadas pela Polícia. A Polícia,
no entanto, não quer saber se os atacantes estão ligados a Mariano Nhongo ou a
Ossufo Momade. Privilegia aspectos virados para a segurança dos moçambicanos e
a liberdade de se deslocarem para onde quiserem em Moçambique, tendo como
referência que existe um partido armado no país.
Curioso e
citando a mesma publicação, que se apresenta como cultora de informação
rigorosa, na edição de 11 de Novembro, Ossufo Momade disse [sábado], em
Quelimane: ‘Se o Estado moçambicano
deixa que o jacaré cresça, já não é da responsabilidade de Ossufo Momabe’.
Acrescentando: ‘O Estado moçambicano tem
os seus serviços’ “ e a responsabilidade de esclarecer as questões de segurança”.
A PRM quer,
sim, inversamente ao discurso, que a Renamo, como partido político, trate dos
seus homens armados, fazendo jus à declaração, pública, da parlamentar Ivone
Soares: ‘São os nossos parentes, nossos
guerrilheiros e a Renamo, como família, saberá resolver os problemas da sua
própria família’. Vejo a razoabilidade do posicionamento da Polícia nesse
sentido, parecendo em vão a discussão sobre provas factuais.
Um dos
factos: existe a Junta Militar da Renamo [não escrevo a autoproclamada Junta
Militar da Renamo porque, só para lembrar, em 2013, quando reiniciaram os
ataques a civis, Ossufo Momade falava de desmobilizados liderados por Hermínio
Morais “General Bobo”; a imprensa, de homens armados da Renamo; e, por fim, ala
Militar da Renamo – não será que a ala militar se autoproclamou e a comunicação
social, de forma simpática, aceitou todas as designações escolhidas pela Renamo
de Dhlakama?].
José
Manteigas Gabriel declara e a imprensa aceita a sua justificação, de que os
ataques não têm nada a ver com a Renamo, porque “os homens da Renamo estão acantonados na Gorongosa, à espera da
reintegração”. Li, até, que há homens que entregaram armas no Dondo e em
Nhamatanda: Gorongosa incorpora geograficamente Dondo e Nhamatanda? Falso.
Outros
homens da Renamo disseram à imprensa que estavam estacionados em Muxúnguè, à
espera do processo de DDR, tendo garantido que não fariam ataques armados. O
deputado José Manteigas Gabriel está a dizer-nos que Muxúnguè não é Chibabava,
mas sim Gorongosa?
Quem tem
provas factuais das declarações de Manteigas Gabriel e de Ossufo Momade? Porque
é que não se exigem provas factuais aos dois, considerando as declarações de
Ivone Soares e as notícias sobre entrega de armas em Nhamatanda e no Dondo, e,
ainda, as informações de Muxúnguè? Talvez falta de rigor.
Quem
perguntou a Ossufo Momade, acerca do dono do jacaré que está a crescer?
Ninguém. Qual é o órgão que exigiu provas da existência do jacaré, fora da
Renamo? Não se conhece. Jacaré quer dizer Junta Militar da Renamo? Momade
deixou claro isso, quando se queixou de o Estado não ter usado a lei contra
Nhngo quando o ameaçou de morte.
Ele esquece-se
que ao falar de novo conflito, se forem validados os resultados eleitorais,
está a ameaçar os moçambicanos e se fosse questão de uso da lei, que a quer
accionada contra Nhongo, também seria contra ele. Se Nhongo ameaçou de morte
Ossufo Momade, uma pessoa, quando Momade fala de novo conflito armado, ameaça a
todos os moçambicanos.
II
José Manteigas
Gabrel faz uma declaração grave: ‘Se as
Forças de Defesa e Segurança são incapazes de debelar este grupo [‘da
autoproclamada Junta Militar da Renamo’], então
não culpem a Renamo pelos ataques’. Ivone Soares, porém, disse na
Assembleia da República que a Junta Militar é da Renamo. Se essa junta é o
jacaré, então, tem dono, que o deve abater, e ponto final!
Ossufo
Momade, sintonizado com Manteigas Gabriel, fala do “jacaré que o Estado” não deve deixar crescer e exime-se de culpas,
mas Mariano Nhongo, quando apareceu publicamente, disse que a sua atitude era
por não reconhecimento do actual presidente da Renamo, eleito em Gorongosa, no
início deste ano.
Ossumo
Momade e José Manteigas Gabriel querem que as forças do Estado matem Mariano
Nhongo e o seu grupo. Não percebo outra coisa das declarações de ambos. A
sociedade moçambicana lembra-se do que se dizia sobre Afonso Dhlakama perante
actos de violência?
Vale
recordar, por isso, que no reinício dos ataques armados, houve a tendência de
que as FDS estavam mal treinadas. Di-lo Afonso Dhlakama e a imprensa aceitou,
sem questionar essa versão. Quando as FDS atacavam [em contra-ataque] os homens
da Renamo, a imprensa veiculava outros supostos sentimentos: a pretensão dos
inimigos da paz e democracia era de assassinar Dhlakama. Falava-se da “solução
angolana”. Dom Jaime Gonçalves chegou a acusar Filipe Nyusi de ter ido a Angola,
para aprender como matar Dhlakama.
Citado pela “Visão”, Dom Jaime Gonçalves declarou: ‘Foi para mim uma humilhação terrível o Presidente de Moçambique [Filipe Nyusi] ter ido a Angola aprender como mataram Savimbi’. Quem exigiu provas factuais a Jaime Gonçalves, de que Nyusi tinha ido aprender como foi morto Savimbi para fazer o mesmo com Dhlakama?
O artigo foi escrito pela agência Lusa e a publicação “Visão” fez a sua divulgação na edição de 19 de Fevereiro de 2016. Assina o texto, Pedro Silva Bandeira, da agência Lusa, referindo:
“Numa rara entrevista, D. Jaime Gonçalves, arcebispo emérito da Beira, defende que é tempo de a Igreja Católica se envolver outra vez no processo político moçambicano e travar um suposto plano para eliminar o líder da oposição, Afonso Dhlakama”.
Uma tentativa de interpretação das declarações de Dom Jaime Gonçalves, em
relação ao finando Dhlakama, analisando, por equiparação, as declarações de
Manteigas Gabriel, segundo as quais ‘ Se as Forças de Defesa e Segurança são incapazes de debelar este grupo [da
autoproclamada Junta Militar da Renamo], então não culpem a Renamo pelos
ataques’, e de Ossufo Momade, de Estado não deixar ‘que o jacaré cresça’, leva à seguinte
conclusão:
Ossufo Momade, presidente da Renamo e o porta-voz do
partido, José Manteigas Gabriel, querem que as forças do Estado matem o líder
da Junta Militar da Renamo, Mariano Nhongo, e os seus apoiantes. A acontecer
isso, depois mudariam de discurso e passariam a falar de pessoas que não querem
a paz. Associado a isso, pode haver recrudescimento de mortes de civis.
A imprensa, podendo não ser no seu tudo, por falta de
análise e devido a outros interesses, dos quais não se excluiu a forma como
olha para o Governo e para o próprio partido Frelimo, aparentemente apoia as
pobres [não gosto de adjectivos, mas em determinados momentos são inevitáveis]
justificações de Ossufo Momade e de José Manteigas Gabriel sobre ataques
armados no centro do país [áreas de Manica e Sofala, na N6 e N1].
Escrevi várias
vezes, que Dom Jaime Gonçalves tinha ressentimentos com a Frelimo. Mas, acima
de tudo, nem sempre manifestou a lucidez necessária, isso agravado pelas
naturais dificuldades de pensar, de forma isenta, em tempo de conflito. De
manhã – passe a expressão – podia declarar que a Renamo e Afonso Dhlakama não
têm razão, mas ao cair da tarde mudava de discurso.
Vele o seguinte
(primeiro exemplo): “Dom Jaime considera de ‘ilegítimas’ as reivindicações da
Renamo em renegociar o AGP por se tratar de um grupo de cidadãos e não uma
Nação. Diz não haver espaço para renegociação do AGP” (Savana, de 7 de Outubro
de 2011, p.2). “Dom Jaime aconselha Renamo a ir à constituição da República”
(p.1). Dhlakama se zangou: “Não preciso de religiosos para perceber o valor da
Paz” (p.1).
Outro dado
(segundo), em entrevista à “Visão”, em 2016. ‘Foi para mim uma humilhação
terrível o nosso Presidente da República, o máximo magistrado da nação, ter ido
a Angola aprender como mataram Savimbi [referência a uma controversa declaração
do actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, proferida em Novembro, em Luanda,
quando apontou Angola como um exemplo de um país onde a oposição não anda
armada]”.
A compreensão
do último exemplo, passa por ler toda a entrevista concedida à “Visão”, que não a transcrevo. Não
saberia dizer se declarar que Angola é exemplo de um país onde a oposição não
anda armada é controverso ou não. Mas posso perguntar: é polémico dizer que em
Portugal, São Tomé e Príncipe, Brasil, África do Sul, Namíbia, Zimbabwe
[Zimbabwe é exemplo de crises], Guiné-Bissau [com eternas crises] e outros
países os partidos não andam armados? Não percebo.
Por tudo isso, sinto-me impelido a repetir o que Anabela
Gradim escreveu no manual de jornalismo: “O jornal não só serve para relatar de forma isenta factos e
acontecimentos, pode e deve pronunciar sobre esses factos, tentando extrair
deles o seu real significado, as relações que estabelecem com outros acontecimentos,
e as consequências que poderão vir a ter na vida das pessoas”.
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