I
(…) Várias vezes foi
dito que a paz não tem preço. Claro que são fazíveis contas dos gastos
respeitantes à busca de paz – escrevi e publiquei neste
espaço, quarta-feira da semana passada. Hoje acrescento: custa também vidas,
sangue, dor, suor e, enfim, é difícil calcular o preço que se paga para a
manutenção da paz num cenário da existência de uma Renamo com homens armados.
Sem
nenhuma surpresa: o ministro das Finanças, Manuel Chang, disse que parte das mais-valias pagas pela Anadarko, firma
norte-americana no Rovuma, seria aplicada para acomodar o novo pacote
eleitoral.
E
sublinho: o pacote eleitoral que, infelizmente, não teve efeitos imediatos do
fim dos ataques da Renamo, reiniciados em Abril do ano passado. Próximo mês, podem
completar um ano, se Afonso Dhlakama bem o entender.
O
Governo e a Frelimo, através, até, da Assembleia da República, estão a cobrar a
cessação das hostilidades, considerando que, se os ataques mortíferos tinham
como suporte as divergências sobre o pacote
eleitoral na AR, mas já houve cedências, a Renamo deveria parar de matar.
Ninguém
mais se junta àquelas vozes. Mas, na verdade, isso não deveria causar nenhum
espanto, tendo em conta a direcção das condenações públicas como, por exemplo,
através da imprensa, por existência de supostos
arrogantes causadores da guerra! (a
história ainda nos poderá revelar o grau superlativo absoluto sintético ou
analítico de arrogante – eu não gosto dos adjectivos, pois se assim fosse
pensaria em gente insensibilíssima, crudelíssima e violentíssima)
Abro
parênteses para observar: ainda bem que, na sua mais recente entrevista,
Joaquim Chissano, antigo Presidente da República, deixou tudo claro – a Renamo
e Afonso Dhlakama não respeitam as instituições (do Estado) e têm a sua
interpretação do Acordo Geral de Paz, se é que não o interpreto erroneamente. E
mais: Chissano desmentiu que dava dinheiro a Dhlakama e esclareceu que ambos não
mantinham encontros secretos ou privados.
E,
deixo registado, um conhecido meu, pôs à prova o que sabia dos encontros
Chissano-Dhlakama, afirmando que Afonso Dhlakama ia à residência oficial do PR
aos fins-de-semana, sempre que quisesse conversar. Não desmenti. Mas não
acreditei, sem pensar que fosse impossível. Pela atitude de Dhlakama, que nunca
aceitou o seu lugar de membro do Conselho do Estado, sempre excluiu o seu nome
da lista dos candidatos a parlamentares e, por essa via, evitou liderar a
bancada da Renamo na Assembleia da República e, segundo Chissano, ficou em pensar sobre uma ajuda como
líder da oposição (segundo candidato mais votado nas presidenciais) porque
alguém disse que estava sendo comprado (por Chissano), entre outros seus não, mantive as minhas dúvidas em
silêncio.
Antes
de fechar os parênteses, o que não se percebeu muito bem é onde Chissano e Dhlakama,
em terreno neutro pretendido pelo presidente da Renamo, se encontraram. Mas,
creio, não deve ter sido nas matas da Gorongosa ou Sadjunjira ou Marínguè.
Pena
é que o entrevistador não tenha perguntado onde esse frente-a-frente ocorreu e
daí pode-se ter aberto campo para mais uma especulação, talvez a ser desmentida
na próxima entrevista a ser concedida por Chissano. Porém, o antigo estadista
clarificou as circunstâncias e o contexto histórico ou, se quisermos, político
em que se realizou esse encontro em terreno neutro.
Voltando
à vaca fria: a Renamo que não venha dizer na Assembleia da República ou outro
lugar que não está a comer dinheiro
resultante da exploração dos recursos naturais. Este bem poderia, até, servir
para outros fins, diferentes da sua aplicação para tentar evitar as mortes
provocadas por balas do grupo de Afonso Dhlakama.
Dhlakama,
na verdade, certa vez deu a entender que se quisesse dinheiro poderia fazer chantagem às empresas estrangeiras
envolvidas na exploração dos recursos naturais em Moçambique. Ele evitou esse
caminho. Fez chantagem ao Governo,
para atingir os mesmos propósitos. Pode ser uma tentativa de compensar o
dinheiro perdido por redução de deputados em consequência de relativos maus
resultados eleitorais nas legislativas.
Só
para recordar: a Renamo tinha 112 parlamentares em 1994. Passou, coligada, para
117 em 1999. Depois dessa ascensão, caiu para 90 em 2004. Continuando em queda,
conta actualmente com 51 assentos na AR e divide dez deputados em números
iguais com o novel Movimento Democrático de Moçambique, ficando a Frelimo com a
parte do leão no círculo eleitoral de Sofala (dez deputados).
A
redução dos deputados teve um impacto negativo na Renamo: diminuição dos fundos
disponibilizados pelo Estado para o funcionamento do partido. Estes, salvo
erro, são proporcionais aos assentos de cada organização na Assembleia da
República. Afinal, Dhlakama foi citado a dizer, numa entrevista:
“Eu não tenho salário”. E mais: “Tenho um subsídio,
que é aquilo que me dão mensalmente para comer”. Claro que se alguém dá
dinheiro deve ser o Estado moçambicano, via Renamo. “(…) se fosse um salário,
eu podia dizer que eu tenho isto por mês” – afirmou, explicando: “Olha, a
Renamo não é emprego”. “ (…) nós temos milhares, milhares de pessoas que
sobrevivem através da Renamo. O que damos às pessoas não é algo fixo. Varia”.
Pensando: Se a Renamo não
paga valores fixos, claramente que à medida que for reduzindo o número de deputados
e consequentemente o montante pago pelo Estado – chegou a atingir pelo menos 3.2 milhões de meticais/mês, fazendo fé nessa entrevista –, há-de ter
mais dificuldades quanto à satisfação das expectativas de milhares, milhares de pessoas que sobrevivem através da Renamo. O
que restava à Renamo nessa circunstância, tendo homens armados escondidos desde
1992? Deixo em aberto. Cada um pode tirar as suas conclusões e, querendo,
responder.
II
A
Renamo quer estrangeiros na qualidade de observadores e peritos militares para
cessar-fogo e sua desmilitarização – o Governo mostra abertura. Só pelo facto
de se falar de cessar-fogo após o AGP assinado em Roma, em Outubro de 1992,
Afonso Dhlakama, se não estiver a reeditar o Acordo Geral de Paz procura, no mínimo,
introduzir uma adenda a um instrumento que se pensava, como dado adquirido, ter
deixado de vigorar, uma vez realizadas as primeiras eleições gerais, em 1994. O
AGP não era transitório para a Renamo!
Como
questionava, semana passada, que garantias Afonso Dhlakama e a Renamo dão de
que, definitivamente, se vão desfazer dos homens armados. O Governo, semana
passada, pediu uma lista e localização dos homens armados, socorrendo-se de
razões logísticas.
Pode
fazer sentido isso, não apenas por razões logísticas, mas também tendo em conta
que no passado aquela organização ludibriou o Governo de Chissano e a
comunidade internacional, com a ONUMOZ a terminar a sua missão com elogios e
satisfação.
Dhlakama
até dizia que não haveria guerra, tanto mais que ele não era nenhum Jonas
Savimbi (Jonas Malheiro Savimbi, da UNITA). Quem não acreditou nele ou não se
pronunciou ou todos tinham fé nas suas promessas de não retorno à guerra. O
mundo inteiro aparentemente confiava nas suas declarações.
Às
notícias sobre uma eventual existência de material bélico e homens escondidos,
que iam sendo divulgadas após as primeiras eleições, ele sempre reagia com desmentidos,
admitindo apenas dispor de homens de sua segurança! (Nunca se prestou atenção
aos discursos de dividir o país, capacidade militar e por aí fora).
Ora,
quanto à lista e localização de homens armados, dá para pensar: Como as forças
governamentais estão também no terreno, o arrolamento e localização daqueles
facilitaria a confrontação de dados, tendo em conta as informações que
provavelmente estejam na posse dos serviços de inteligência das Forças de Defesa e Segurança.
Se
isso não acontecer, o acordo duradouro
defendido, com insistência, por Saimone Muhambi Macuiane, chefe da delegação da
Renamo, no diálogo com o Governo, pode ser menos duradouro, bastando a Renamo assim o entender: Dhlakama pode voltar
a enganar a todos.
Ouço
pessoas que merecem grande respeito meu, falando de desconfianças de ambas as
partes. Quem se fiaria nas palavras do presidente da Renamo, hoje, depois do
que ocorreu até se chagar às emboscadas a civis e FDS, feitas por homens
propositadamente deixados à margem do AGP? É pena que, se calhar, Afonso Dhlakama
possa não dar mais nesta matéria, mas uma paz duradoura (sem armas), quiçá, depende da sua boa vontade.
Se
com o AGP, a missão da ONUMOZ, liderada pelo italiano Aldo Ajello, não viu os homens não declarados por
Dhlakama, para efeitos de desmobilização, um dos quais Jone Lindoia, sobre o
qual escrevi semana passada, apesar de cerca de dois anos de permanência em Moçambique, qual é diferença 21-22 anos depois? Este é um desafio para o
Governo, observadores e peritos militares que vão controlar o cessar-fogo e a
desmilitarização. Para a Renamo, é uma questão de boa-fé.
A
missão da ONUMOZ, só para recordar, integrou
um efectivo de 1.144 observadores policiais e cinco mil militares mobilizados
em 53 países para Moçambique. Não viu os homens escondidos. As Nações Unidas,
de acordo com vários escritos, considerou a sua missão como a mais importante
desenvolvida com êxito, assinalando-se o facto de até então ter envolvido um
elevado efectivo.
Brasileiros
e portugueses, entre outros integrados da ONUMOZ, foram agraciados com a
Medalha do Mérito das Nações Unidas e Medalha de Ouro de Serviços Distintos.
Luís Castelo Branco, numa tese com o título As
Missões da ONU na África: Sucessos e Fracassos, deixou registado que “o sucesso da ONUMOZ pode-se explicar
através de vários factores”, entre os quais, um escolhido por mim, a “vontade das partes, Governo e Renamo, em
chegar a uma paz duradoura”.
Chissano
confessou que deveria ter desarmado a Renamo – parece que uma das partes não
queria paz duradoura, daí falar dela agora! Esta (Renamo) ainda não disse os
porquês de ter escondido homens, para além de falsamente ter afirmado que só
tinha um pequeno número de seguranças de Afonso Dhlakama – ninguém pergunta à
Renamo ou analisa o que a levou a esconder armas e homens, depois do AGP,
questão que me parece de interesse nacional, quando novamente tivermos
observadores e peritos militares internacionais!
Talvez
fosse bom que o deputado Saimone Muhambi Macuiane, que acredita (eu também
gostaria de acreditar) numa paz duradoura
diferente da alcançada com o AGP, esclarecesse os porquês de o presidente da
sua organização ter escondido armas e homens, mas, doravante, pretenda mudar de
atitude. Escondeu-os por quê? O que o levaria a não fazer o mesmo nas actuais
circunstâncias?
III
António
Muchanga, membro do Conselho do Estado e militante da Renamo, saiu a acusar o
antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, de ter violado o AGP. Por
hipótese: Se tivesse havido violação do
AGP, quem tê-lo-ia feito primeiro, considerando que a Renamo, à partida, depois
de assinar o acordo de Roma, em Outubro de 1992, escondeu homens e armas? Não teria sido essa a
primeira violação? Perece indefensável a violação protagonizada pela Renamo
como partido político.
Questões
como estas e outras requerem atenção. As doces
palavras de Saimone Muhambi Macuiane, de uma paz duradoura diferente da alcançada no âmbito do AGP de Roma, podem
simplesmente ser doces e, novamente,
penalizar gente incauta e resultando em mortes na N1, Gorongosa, incluindo
Sadjunjira, Savane, Nampula-Rapale ou
mesmo na Rua dos Sem Medo, Samacueza
e por aí fora, onde a Renamo quiser protagonizar actos de violência a seu
bel-prazer com as mentes tacanhas na
sua tacanhez sobre o assunto.
Para
que não haja mal-entendidos: não pretendo, com as minhas palavras, mais nada do
que uma reflexão, porque uma Renamo melhor compreendida na sua atitude ao longo
do tempo, permite a qualquer um fazer julgamentos menos precipitados, menos
dolorosos, evitando-se a circulação de informações como as desmentidas por
Chissano e, no fim, contribuir para a paz com uma busca constante assente nos
factos referentes à organização de Dhlakama. A paz continua sem preço! (X)
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