I
Duvido
se é de alguma utilidade, hoje, a Renamo se justificar ou escrever uma nova
história sobre as suas origens, causas de surgimento e objectivos prosseguidos:
se o que está escrito pode ser reescrito, isso não significaria eliminação da
verdade histórica.
[A verdade histórica é um limite que não se
deve violar (…) ”. É assim como pensa o romancista cubano, Leandro Padura. Esta declaração fê-la
em entrevista à Folha de São Paulo, numa
das edições deste jornal brasileiro].
Mas,
em contrapartida, reputaria de grande préstimo, por concorrer para a
estabilidade do país e tranquilidade dos moçambicanos amantes da paz, procurar
fortalecer-se como uma organização política desarmada.
As
armas amordaçam as ideias, as provavelmente boas em ambiente democrático e da
razão, esta como apanágio do homem, incluindo o discurso recorrente do seu
líder sobre como surgiu a organização MNR, prevalecendo a Renamo que a Afonso Dhlakama dela tenta se
distanciar (?) ao procurar oferecer a história fast food.
[“A guerra civil foi justificada pela causa de
traição da independência por parte da Frelimo” – diz hoje Dhlakama].
Mantendo-se
armada e com vontade de permanecer armada, a organização “político militar”
liderada por Afonso Dhlakama, a cada dia vai revelando aos moçambicanos as suas
bases em Tete, Inhambane e Gaza. Era de supor terem sido desmanteladas, com a
assinatura do Acordo Geral de Paz, a 4 de Outubro de 1992.
Creio
que, por este andar, Dhlakama revelará novos nomes das suas bases e dos ataques
que tem ordenado – assumiu o de Tete este ano.
Desde
1992, o que se apregoou, com coro de personalidades cujo discurso se assumia
como inquestionável na interpretação do AGP, foi: o presidente da Renamo tem [uns
150] homens da sua segurança pessoal como líder e isso está previsto no acordo
de Roma.
Li
várias vezes o Acordo Geral de Paz. Não achei nenhuma linha, frase, período ou
parágrafo estabelecendo: Afonso Dhlakama deverá manter ou instalar bases em Sadjunjura,
Nampevo, Muxúnguè, Guijá ou outro ponto qualquer de Moçambique quer para a sua
segurança pessoal quer para outros fins, tais como os ataques ocorridos de 2013
a 2014.
Como
me tenho dedicado à leitura e análise de vários acontecimentos, entre os quais
os que envolvem a Renamo e o seu líder, para entender a não cessação definitiva
da violência e não desarmamento, gorando-se desde 1992 as expectativas, não
escondo [parafraseio Dhlakama nisso de “não escondo”]: a possível existência de
homens desde então escondidos pela Renamo, não me espanta.
O homem do “dito verdadeiramente
dito” desinteressadamente até conseguiu do Zimbabwe
[Rodésia de Ian Smith, certeza absoluta] três
armas, AKM, emprestadas. Curioso!
Mas,
em história, quando se aborda a fundação de uma organização política como seria
o caso da Renamo, torna-se insuficiente declarar em entrevistas ou comícios que
fulano, sicrano e beltrano se reuniram, secretamente, para fundar um movimento
armado ou político.
Não
sei se existe uma organização do género cuja história se resuma a encontros não
documentados. As conversas entre Afonso Dhlakama, André Matsangaíce ou
provavelmente outros, a terem ocorrido, seriam a fase preparatória para a
criação da organização MNR.
A
fundação de um clube de futebol, empresa, igreja, etecetra, tem uma etapa
formal. A sua existência, em situação normal, tem como testemunho uma acta ou
outras referências relevantes e irrefutáveis: um lugar concreto, presidente da
assembleia, órgãos eleitos constitutivamente, sufragados ou nomeados – e em
caso de nomeação, o nome de quem nomeia – participantes e convidados ao evento.
Penso
ser isso o que a nova Renamo, existindo para negar a velha ou contestar o que
considera ser mentira da Frelimo [a ser mentir, de facto, haveria muitos
historiadores ou intelectuais mentirosos e, mais do que isso, tão maus que são
devem detestar a Renamo, e, por isso, em tudo o que se pode ler, escrito por
eles, associam a existência da MNR ao serviço de inteligência rodesiana], querendo,
pode desvendar.
De
contrário, perde tempo com fast food,
que daí pode não passar. Parece não ser relevante, hoje, discutir como a MNR,
mais tarde Renamo, nasceu, sua visão e missão em Moçambique. Seria de grande
interesse, acredito eu, provar que não existe para guerras contínuas, desarmando-se
e não se mantendo como pode ter ocorrido há 37 anos.
O
partido de Afonso Dhlakama tem história diferente, contrária da convergente na
sua ligação com a Rodésia de Ian Smtih? O que se sabe sobre MNR/Renamo não foi
escrito tudo por pessoas ligadas à Frelimo. Vale a pena, aí, insistir no que
diz Leonardo Padura: “A verdade histórica é um limite que não se pode violar”.
II
Domingo passado, a Renamo novamente
pode ter escrito mais uma história fast
food: celebração dos 35 anos do seu destacamento feminino. Foi a 5 de Junho
de 1980, diz-se, que ocorreu a incorporação das primeiras mulheres, juntando-se
aos homens da organização MNR, na luta “pela democracia”.
O que é problemático? Parece [escrevo
parece porque pode ter escapado uma notícia sobre isso] que a Renamo, numa
situação normal, estaria a exaltar esse feito há bastante tempo. Por exemplo,
em 1995, um ano após as eleições, poderia ter celebrado15 anos dessa
incorporação.
Mas em 1995, Afonso Dhlakama
entretinha-se a ameaçar dividir Moçambique.
Ele exigia que Joaquim Chissano
nomeasse governadores indicados pela Renamo para Sofala, Manica, Tete e
Zambézia, assim como parte das receitas dos Caminhos de Ferro de Moçambique.
Manuel Pereira falava de colocar cancelas no Save.
Sem surpresa, leio na edição de A Bola, do passado domingo [dia 5 de
Julho de 2015, para que não haja equívocos]: “Líder da Renamo ameaça cortar
principal estrada do país”. Que azar persegue os moçambicanos?
Por quê? Simples: em nenhuma das
notícias inseridas no topo das colunas do diário desportivo português
referentes aos cinco Países de Língua Oficial Portuguesa, Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, tirando Moçambique, se estimula violência.
A notícia do topo para a coluna de
Moçambique é mais uma a “ameaça” de Afonso Dhlakama!
Sem que fosse celebrado com
periodicidade tal marco, que se quer histórico
para a Renamo, 35 anos depois, faz-se uma cerimónia, mas até ao momento em
que escrevo estas linhas ninguém revela os nomes das combatentes homenageadas.
Estão vivas? Porque desde 1992 não apareceram em público, contrariamente ao que
fazem as de outras organizações em Moçambique?
Sei que é possível, por exemplo,
provar quem esteve no II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique, de 20
a 25 de Julho de 1968, em Matchedje, mesmo daqueles que um político desatento
[não seria boateiro?] declarou, em entrevista à televisão, que seus nomes não
tinham sido gravados em mármore no monumento já erguido.
Até os moçambicanos mais novos
conhecem mulheres do Destacamento Feminino da Frelimo, não interessando se
todas ou não.
A Renamo não tem documentos sobre a
sua história, além de entrevistas concedidas pelo seu líder? Por quê? Foram
destruídos durante a guerra dos 16 anos? Espero que as mulheres que se filiaram
no MNR no dia 5 de Junho de 1980 contem a sua história irrefutável aos
moçambicanos. Desde lá, passam cerca de 35 anos.
Seja como for, é preferível Afonso
Dhlakama no fast food 5 de Julho de
1980, a ouvi-lo a confirmar ordens dadas aos seus homens para atacarem agentes
do Estado em Tete.
Mas na cerimónia de algures em Dombe,
tendo em conta a notícia do jornal A
Bola, repetiu os caldos entornados. Dhlakama fez como no passado: em vez de
celebração dos feitos, ameaça.
A última grande celebração do
aniversário da morte de André Matsangaíce, em Outubro de 1912, acabou com um
ensaio militar ou reagrupamento dos homens armados, que em 2013 semearam dor e
luto, sobretudo no troço Muxúnguè-Save.
Uma coisa semelhante entre Sadjunjira
e Dombe: um local é preparado para reunir homens e mulheres, mas praticamente
ninguém disso se apercebe. Dhlakama usou ambos os eventos para fazer ameaças
aos moçambicanos.
“Vou esticar a corda e acabar com a
paciência”, declarou o líder da Renamo, segundo o jornal A Bola.
O que fará pelas combatentes que há
35 anos foram recrutadas para as fileiras da sua organização?
Não se sabe, senão, de acordo com a
mesma fonte, que “o número um da Renamo ameaçou não só cortar a N1 como evacuar
edifícios públicos e expulsar administradores locais nomeados pelo governo”.
A Renamo e Afonso Dhlakama têm uma
forma sui generis de valorização dos
seus combatentes: renovação de actos de instabilidade! São os homens armados
amordaçando o que seria uma organização política em ambiente em que a razão é o
apanágio do homem. (X)
PS: Escrito o artigo, fui achar uma
entrevista interessante de Dhlakama, a revelar que quando estiver no cargo de
Presidente da República de Moçambique vai escrever a história da Renamo. Espero
que alguma longevidade da família me dê esse prazer.
Anseio também que não cair em nenhuma daquelas
emboscadas “tipo” Muxúnguè, Save e por aí fora do passado, porque aí as coisas tornar-se-iam mais complicadas. É
quando se tem de falar de sorte!